OS ARROZAIS DO LUGAR
(*) Edimar Luz
Escritor/cronista, poeta, articulista, compositor, memorialista, professor e sociólogo.
De início é preciso ressaltar que a região geográfica onde se localiza o nosso bairro, era repleta de várzeas propícias ao cultivo do arroz, cereal mais consumido no mundo, em termos do número de pessoas que o usam na alimentação. A palavra "Ipueiras", nome do nosso bairro, é, como grande número de topônimos brasileiros, de origem tupi, e significa etimologicamente água passada, que já não corre, ou, ainda, terreno alagado ou lagoeiro formado nos lugares de topografia baixa pelo transbordamento dos rios e riachos, e onde as águas, em geral piscosas, se conservam meses a fio. Em épocas passadas, a Ipueiras era periodicamente inundada pelas águas do rio Guaribas e dos riachos que banham a região. Na verdade, o solo argiloso encontrado em muitas porções do lugar, favorece largamente a rizicultura, isto é, produção do arroz, planta herbácea anual da família das gramíneas. Por isso, chamado também de arroz de várzea, por ser cultivado nesses terrenos inundados ou irrigados.
Apesar do progresso e das mudanças ocorrentes, ainda hoje se pode observar durante o inverno, vários arrozais que se estendem por boa parte do lugar, mas, evidentemente, numa proporção ou quantidade minúscula, bem menor do que aquela de outrora, de outros tempos. Ainda são, porém, inúmeras as roças ou lagoas de arroz existente aqui durante a estação chuvosa. Entretanto, como se pode observar, isso ocorre apenas nas porções situadas em áreas bem afastadas da atual Avenida Ayrton Senna (hoje Avenida Anísio da Luz), região onde era enorme a produção de arroz. Estamos no final do inverno deste ano de 1996, e, assim, já podemos observar claramente essa mudança no visual, ficando somente as lembranças dos grandes arrozais do passado que ali se cultivavam na época do inverno. Belas e grandes plantações de arroz da Ipueiras!
Podemos afirmar que temos também vários outros produtos de produção expressiva aqui em nosso meio, como, por exemplo, o feijão, o milho, a banana, a cana-de-açúcar, entre outros, mas, na realidade, era o arroz a planta agrícola que melhor caracterizava as nossas áreas alagadas no inverno. O algodão, riqueza extraordinária no passado, fora dizimada pela praga do bicudo, e, hoje, já não se vêem aqueles nossos campos onde os grandes algodoeiros eram presença constante, os quais também muito caracterizavam a nossa região, assim como o alho cultivado no leito arenoso do nosso rio Guaribas. Diga-se de passagem, de todas as atividades econômicas, a agricultura é uma das mais antigas. Na verdade, a agricultura sempre foi um dos sustentáculos da economia piauiense.
É digno de atenção, elogio e respaldo todo o trabalho profícuo do cotidiano do nosso povo, que sempre tem executado tradicionalmente no seu dia-a-dia exaustivo as mais diversas atividades rurais, sobretudo aquelas pertinentes à agropecuária. Formamos, pois, ao longo do tempo uma coletividade laboriosa.
Cumpre lembrar, ainda, que quando ocorria escassez de água, em virtude da ausência prolongada de chuvas, o suprimento da umidade das lagoas se fazia mediante a utilização dos nossos poços jorrantes tubulares, e posteriormente também através de bombas submersas introduzidas nos mesmos.
Há de se destacar que as chamadas aves de inverno, algumas delas classificadas como aves aquáticas, só apareciam por aqui no período das chuvas, como: a galinha-d'água, o roncador, o frango-d'água/pinto-d’água–carijó, a saracura três - potes, o carão e outras, além de vários passarinhos, como: a bigodinha/bigode, o gaturamo, o papa-capim, a coleirinha, o tiziu/zé-pretinho, o papa-lagartas, o caboclinho, os bandos enormes de casacas de arroz ou pássaro-do-arroz, dentre outras. Muitas dessas aves, especialmente as galinhas-d’água e os pássaros-do-arroz, construíam seus ninhos nos próprios arrozais, ou nos capinzais, e outros nas árvores, quando a avifauna local ficava mais abundante e rica, apresentando um maior número de espécies. Quando o inverno era bom, a natureza ficava exuberante. Ao meio-dia, quando o Sol se apresentava mais escaldante, podia-se observar o passaredo na copa das árvores mais densas ou fechadas, onde, por um certo tempo, ficava a gorjear. Alguns desses pássaros, às vezes, apareciam aqui durante a estação seca, aproveitando a umidade e o verde da vegetação e das plantações dos nossos agradáveis sítios, graças à água dos nossos poços jorrantes. Poços tubulares/artesianos.
Podia-se observar também, naquela época, um espantalho em algumas das nossas roças e lagoas de arroz. Como sabemos, espantalho é um boneco feito para afugentar aves das plantações, especialmente dos arrozais. Mas, era preciso também vigiar as referidas lavouras contra o ataque dos inúmeros e incontáveis pássaros que sobrevoavam, que voavam e pousavam nos arrozais, danificando-os e causando perdas de produtividade. Era muito grande a revoada de pássaros naquela época, nas nossas lavouras de arroz.
Em última instância, vale lembrar, ainda, que era muito comum se ouvir nas noites chuvosas e frias de inverno, o incessante coaxar dos sapos e o canto das galinhas-d’água nas inúmeras lagoas do lugar, em meio às plantações de arroz.
(*) Edimar Luz é escritor/cronista, poeta, articulista, compositor, professor e sociólogo formado em Recife-PE.
Obs. Do meu livro MEMÓRIAS DO TEMPO. Direitos reservados.
Picos - PI, maio de 1996.