Estreia desastrosa - III
Ai ai, ai ai ai. A dor aumentando... aumentando... a enfermeira ajudando a empurrar a barriga para baixo. Começou o show e eu que detesto escândalo, chororô e gritaria, perdi totalmente a noção. Quando a dor resolveu dar uma paradinha, fiquei tão feliz que me esqueci de tudo sobre o acidente, tudo era insignificante diante da brutalidade da famosa dor de parir. Ouvi uma voz de homem, era o Doutor Rodrigo, médico renomado em Sergipe. Agora você pense a figura do Doutor Rodrigo, considerado, àquela época, um dos homens mais bonitos de Aracaju. Havíamos sido contemporâneos no Atheneu. Olhos da cor do mar, lindo mais que lindo. Era o meu obstetra. Vaidosa como toda mulher, eu morria de vergonha de que Rodrigo me visse naquele estado lastimável, estar exposta era o mínimo do mínimo, mas aqueles remendos do acidente... Ah, por que não morri antes que Rodrigo visse aquela cena? Tânia, falou com a voz tão bonita quanto ele: Que foi isto? Soube que você foi acidentada e eu já estava de viagem, voltei da estrada. Era um domingo. Não tinha como solucionar aquela situação. A dor voltou pior, bem pior, bote pior nisto. O show foi inesquecível. Que moleza é esta, Tânia, não dói tanto assim. Calma, logo estará livre. Faça força. Dessa vez perdi todo e qualquer tipo de vergonha. Gritei como se estivessem reunidos em mim todos os loucos de todos os hospícios do mundo. Rodrigo tranquilo, calmo, até assoviava enquanto via a criança nascer. Anunciou: é uma menina, Tânia. Sua filha é uma linda menina. Fez o que os obstetras têm que fazer e, dirigindo-se à enfermeira, adiantou: leve a criança para a saleta que o cordão umbilical já está rompido. A violência do acidente separara mãe e filha, mas a minha filha queria viver. Parto normal, criança sadia. Então, Tânia, tudo bem, pronto, acabou. Ah, que maravilha, falei tanta bobagem. Pensei que realmente tudo havia acabado. Que nada! Vamos fazer uma limpeza aí, Tânia, completou Rodrigo, enfiando a mão de parteiro dentro da luva cirúrgica. Depois de enfiar na luva, não teve dúvida, enfiou em mim. Foi pior. A segunda parte do show ganhou da primeira. Muito pior do que parir foi esta verificação que o médico providenciou. Era rodopiando a mão lá por dentro e falando, assoviando. Agora sim, terminou mesmo. Sete horas e vinte e cinco minutos em Aracaju. O tempo voou no assobio do médico e minha filha completará, no próximo dia 16 de julho, de Nossa Senhora do Carmo, exatos 35 anos. Só bem depois alguém me alertou sobre a santidade dessa data e a menina já estava registrada e batizada com o nome de Gláucia. Sobre como me recuperei do acidente e meu rosto retornou à normalidade, talvez um dia eu volte ao tema.