Alma sebosa
Contrariando nosso co-conterrâneo e debochado José Simão, colunista da Folha, o Macaco Simão, vou contar o que acabei de assistir numa agência do correio, e dizer-lhe que o brasileiro é cortês, sim senhor, pela maioria.
Avenida Amazonas - BH, agência do correio, sexta-feira, duas horas da tarde. Entro e vejo um aviso na parede informando que a máquina de senhas não está em funcionamento. Entretanto, a ordem das pessoas a serem atendidas ,e são muitas, prossegue em perfeita harmonia, umas orientando às outras de quem é o último, quem é o próximo, etc. Silêncio e muita cooperação, todos sentados em confortáveis cadeiras e ambiente climatizado (o correio faz a sua parte) . Os funcionários todos dando duro e com semblante tranquilo. Maravilha.
Daí entra uma cidadã superapressada, cerca de 38 anos, pôe-se a frente de todos e diz a uma funcionária do atendimento, em tom alto:
- Dá para me vender dois selos de tantos reais? É que se eu pegar a fila aqui , o lugar que tenho de ir a seguir vai fechar.
A funcionária:
- Se você pedir à pessoa da vez que compre para você, eu vendo...
Eis que a apressadinha pede o favor à senhora cliente que se aproxima para ser atendida, e esta acaba por acatar. Entretanto, há qualquer mal entendido que não consegui entender e a fulana sai com esta , gritando:
- É melhor vocês me atenderem do que eu dar parte à polícia... quem é o gerente aqui? Tem gerente aqui? - de forma pouco cortês e os funcionários só indicavam com o dedo a porta do tal "gerente".
Outro cidadão é chamado para ser atendido na sua vez. Ele se aproxima do balcão calmamente e observa a mulher berrando e não diz nada. Põe a correspondência em cima do balcão para ser selada e cumprimenta a funcionária com um sonoro "boa tarde", o qual é correspondido. Foi a lição número 1 do dia.
A seguir a tagarela começa a falar para ninguém e ás paredes, mas perto do ouvido do tal cidadão.
- É desse jeito... correio desse jeito...por isso que o Brasil não vai pra frente... bla bla bla.
O cara muda o olhar para o lado da tagarela e procede-se o seguinte diálogo; ele com calma, ela nervosa e tom alto:
-Quantos anos você tem?
- Mais do que você.
- Então você tem experiência. Qual é solução então para o Brasil? Você tem a solução para o Brasil sair deste jeito?
- Não sei.
- Você votou em quem na última eleição?
- Eu não votei em ninguém, eu anulo o voto, não quero saber de nada.
- Então não tem direito de reclamar do Brasil. Você anulou o voto.
- Ann? - surpresa.
- Então é assim: você não tem solução para o Brasil, anulou o voto e ainda está furando a fila de todo mundo aqui que está esperando na boa , com educação.
- Olha, a conversa não é com você. Fica na sua.
-Então fala baixo e pára de alugar meu ouvido pois é a minha vez de ser atendido. Sua voz é horrosa e tá em cima dele.
- A sua também é feia.
Eu fui atendido, saí da agência e não sei mais o que deu.
Só sei que matematicamente a maioria que estávamos lá é mais cortês e os funcionários daquela agência igualmente o são. É que de vez em quando sai uma alma penada do purgatório para assombrar.