Por que não imitá-lo?

     O que vou lhes contar aconteceu no início do Século 20, no nordeste brasileiro, e me chamou a atenção.
     Todo mundo sabe que, nesse pedaço do Brasil, a escola pública atravessa um dos seus piores momentos. 
     Os professores, pessimamente remunerados, lutam, com descomunal dificuldade, para sobreviverem! Veem cada vez mais desgastadas e fisicamente degradadas suas oficinas de trabalho, que são as escolas. 
     Nos bairros pobres e distantes do centro das grandes cidades, eles dão aulas - quando conseguem - com medo. Assaltantes, drogados, vagabundos podem estar a esperá-los e de arma em punho. 
     Não estou inventando nada. Basta ligar a televisão e logo se constata que os colégios públicos estão infelizmente ocupando boa parte do noticiário policial. 
     Além da comprovada insegurança, nesses estabelecimentos de ensino faltam carteiras, cadeiras, sanitários asseados, instalações hidráulica e elétrica seguras. Falta principalmente amor...
     Em muitos desses colégios, os alunos ainda correm o sério risco de serem esmagados pela eventual queda do teto das salas de aulas, comprovadamente mal cuidado.
     Aí, na ausência de boas e confortáveis salas de aulas, os alunos correm para o pátio de suas escolas - destinados ao lazer e à confraternização - transformando-os em verdadeiros ringues. 
     Resultado: ninguém aprende absolutamente nada. Enquanto isso, os governos continuam blefando e construindo "arenas".
     Disse alguma inverdade? Não, não disse. Limitei-me a registrar o que para o nosso saudoso Nelson Rodrigues seria, na área do ensino público no Brasil, o "óbvio ululante". 
     Tudo isso me faz lembrar, com uma pontinha de saudade, dos queridos e respeitados Grupos Escolares doutrora. Fiz meu primário no Grupo tal... dizia-se com orgulho.

     Mas o que aconteceu no nordeste brasileiro, no ínicio do século passado, e que me chamou tanto a atenção?
     Vou lhes contar, leitores amigos, cuidando de não fatigá-los. 
     Um senhor, de inquestionável caráter e valor cívico e moral, foi nomeado Diretor da Instrução Pública de Ensino do seu Estado. "Em mangas de camisa", ele resolveu visitar, de surpresa, um grupo escolar de um bairro populoso da capital. 
     "Salas vazias, crianças invisíveis. As oito professoras, sem ter o que fazer, conversavam no gabinete da diretoria."
     O austero diretor chegou, disse quem era, e indagou por que a escola não estava funcionando. 
     A mestra diretora "gaguejou para explicar que o regulamento não permitia a entrada de alunos descalços e sem uniformes". 
     Vale redizer, que a escola ficava num bairro pobre. Os pais dos meninos, com certeza, não podiam lhes dar fada e sapato. 
     O Diretor, "com a fisionomia contraída, balançou a cabeça e se retirou." 
     Poucas horas depois (e não dias depois) "ordenou a compra de sapatos para todos os alunos", que foram imediatamente entregue à meninada, com a recomendação, por escrito, de que as mestras percorressem o bairro avisando aos pais "que as crianças já podiam frequentar as aulas." 
     Os alunos superlotaram as salas. Mas a escola não tinha mesas e nem cadeiras, obrigando a garotada a sentar no chão. 
     Sem hesitações, o Diretor "mandou colocar caixotes até que o mobiliário fosse adquirido." E as fardas? O Diretor adquiriu o pano, e "ele próprio pegou a tesoura e cortou a fazenda, conforme as medidas."
     Tudo isso aconteceu, meus senhores, em Maceió! No início do século 20, não esquecer. O nome do Diretor da Instrução Pública? Graciliano Ramos. 
     Que belo exemplo!
     Por que não imitá-lo?

     Nossas autoridades, se desejarem obter mais detalhes sobre este extraordinário momento na vida pública desse fantástico romancista alagoano, leiam O Velho Graça - Biografia de Graciliano Ramos, do escritor carioca Dênis de Moraes.
     Nesse belo livro escorei-me para escrever esta minha crônica. Daí, claro, a presença de tantas aspas no meu texto.


      
     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 26/05/2013
Reeditado em 26/05/2013
Código do texto: T4310338
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