Amor à Vista, Vida a Prazo

Seria bom que encontrássemos alguém que nos dissesse que precisamos nos amar mais. Na impossibilidade de que esse alguém fôssemos nós mesmos, a pessoa mais indicada para isso.

Falamos tanto dessa coisa que talvez tenhamos inventado – o amor. Inventado a partir das nossas ações diante da vida, dos animais (que julgamos irracionais), do meio ambiente e, sobretudo, de nossos semelhantes. Mas nos esquecemos de que primeiro devemos nos amar e muito, para que possamos amar alguém.

Talvez devêssemos perder algum tempo todas as manhãs olhando-nos no espelho, até nada descobrirmos sobre nós. Depois desses instantes, acabaríamos chegando, possivelmente sem que o percebêssemos, a alguma conclusão a respeito de quem somos. Algo parecido com o meditar – que para os indus significa não pensar em nada absolutamente durante o tempo em que estivermos “meditando”.

Essa investigação introspectiva poderia equivaler a um processo de auto-educação. Complementar ao que nos é disponibilizado nos bancos escolares. E depois, nas esquinas da vida. Olhar para nós mesmos aparentemente sem nada perceber. E concluir depois que achamos coisas que não sabíamos (a nosso respeito).

Precisamos aprender a conviver com o cidadão que existe dentro da gente. Para que possamos permitir que ele realize ações que nos enriqueçam, moral e fisicamente, e que redundem em nosso bem estar. Ou impedir que suas ações possam resultar em nosso desconforto.

Tudo parece tão fácil de dizer, mas nem sempre é tão fácil de executar. E muitas vezes reagimos de forma contrária ao que enunciamos ou recomendamos. É uma característica que nos é muito peculiar – a contradição. No entanto, o seu reconhecimento já é alguma coisa. Como o reconhecimento de que para nos dirigirmos, precisamos saber quem somos. Assim como para dirigirmos uma máquina, precisamos saber como ela funciona.

Costumamos imaginar que a vida urbana agitada, com todos os incrementos da modernidade, nos bloqueia a reflexão, impedindo-nos de encontrar soluções que frequentemente estão ao nosso lado. Impedindo-nos de tomar atitudes mais acertadas, porque mais simplificadoras da vida ou de alguns de seus momentos. E nesse bloqueio ou impedimento, optamos por atuar conforme o que já estamos habituados. E que são as respostas que devem ser dadas por cada um diante de determinadas situações ou problemas. As respostas que todos esperam da gente. Os clichês ou reações estereotipadas. Aquelas que estão na prateleira prontas para serem usadas, sem que haja necessidade de muito questionamento. Já as encontramos ali quando nascemos. Depois, à medida que crescemos, vamos absorvendo-as pela observação de como atuam as pessoas que nos cercam. O que se constitui num reforço para a consolidação dessa absorção, face aos acontecimentos diários e as reações de sempre que eles provocam.

Chega a ponto de parecer fora de seu tempo ou inapropriada a reação de um indivíduo que esteja em desacordo com aquilo que dele se espera diante de um momento, fase de sua vida ou decisões que tivesse que tomar.

Lembro de Leo Buscaglia, autor de "A História de Uma Folha", "Amando Uns aos Outros", "Vivendo, Amando e Aprendendo" e vários outros livros, escritor ítalo-americano, “idealizador de um curso sobre Amor na Universidade of Southern California, EUA”. Em determinado momento de sua vida, Buscaglia, detentor de cátedra em universidade americana, com sua vida regular e definida, resolve abandonar tudo para viajar pelo mundo. Talvez por achar que lhe faltava alguma coisa ou que, conhecendo o mundo um pouco mais, poderia vir a conhecer muito mais de si. As razões para essa atitude estão num dos vários livros que ele escreveu e delas não lembro exatamente agora. O fato é que tal atitude não seria tomada por qualquer um. Como alguém pode deixar o bom emprego que tem e a vida confortável que esse emprego lhe proporciona para viajar pelo mundo, aparentemente sem um destino definido? Além, possivelmente, do destino traçado por seu coração?

O resultado disso foi que Buscaglia “tornou-se um dos maiores escritores sobre o Amor dos últimos tempos” e o precursor da onda de Auto-Ajuda em todo o mundo a partir de 1972, com vários autores copiando e imitando o seu estilo. Por uma estranha coincidência ou ironia do destino, para quem acredita, Buscaglia faleceu aos 74 anos no dia 12 de junho de 1998, Dia dos Namorados no Brasil.

Nada de errado em continuarmos com a nossa vidinha segura e confortável, que pode ser também igualmente grande, repleta e feliz. Vai depender apenas de nós mesmos. Afinal ninguém precisa ser, ou imitar, um Leo Buscaglia ou um São Francisco de Assis – os dois parecem ter algo a ver. Contudo, tratam-se de exemplos de obstinação, coragem ou de perseguição de um sonho que só terá chances de florescer naquele que tiver certo conhecimento de si. Naquele que não se conformar com o estabelecido, com o previsível, com as expectativas que para ele foram geradas ou estabelecidas.

Para sabermos o que queremos, não será preciso que nos conheçamos um pouco? Para que arranquemos o que já está dentro de nós. Que de outra forma ficará lá dentro enjaulado, oprimido, neutralizado, se permitirmos que tal aconteça em função de tudo o que esperam que realizemos. Será preciso que a nossa vontade prevaleça sobre o que está estabelecido.

Mas para isso vamos precisar não estar em conflito com o cidadão que carregamos dentro de nós. Quando o conflito não acontecer, tudo poderá ser mais fácil. A vontade será de fato única. E não dissolvida ou difundida pelas várias atribuições que já nos estão reservadas.

Um jovem menor de idade declara diante das câmeras da televisão, num português rudimentar, evidência do pouco que deve ter ido à escola, que quando for solto irá dar cabo à vida das pessoas cujos nomes tranquilamente enuncia. Naturalmente tem conhecimento de que, pelas leis brasileiras, não poderá ficar muito tempo detido por ser “de menor”.

O que terá sobrado para esse jovem além do que aprendeu com a violência que caracteriza a favela ou rude comunidade carente em que deve ter nascido? Além da obrigatoriedade sempre implícita de conseguir dinheiro, de que forma for, para se manter? Que não implica necessariamente na forma ordeira e pacífica, para todos estabelecida, de ter um emprego. Mas na forma também estabelecida, pelo menos para os que vivem em comunidades extremamente carentes, pelos traficantes e foras-da-lei que dela se valem com a mesma finalidade.

Serão eles menos robôs que nós, que entendemos que a nossa realização pessoal estará condicionada ao patrimônio que tivermos ou à vida mais confortável que pudermos ter? Aos títulos que pudermos amealhar durante a vida? Para nós e nossos descendentes? Que a condição financeira é também uma questão de segurança pessoal? Porque depois de tanto dinheiro que conseguimos acumular, passamos a nos interessar pela obtenção de poder. Desde que a nossa conta bancária não se altere.

Também, e mais uma vez, nada contra esse tipo de iniciativa. Que faz com que consideremos homens e mulheres bem sucedidos como verdadeiros heróis. Mas que poderão estar bem distantes daquilo que na verdade são. Por estarem sempre mais próximos do que aprenderam que deveriam ter sido.

Maricá, 26/05/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 26/05/2013
Reeditado em 27/05/2013
Código do texto: T4309808
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