Capítulo 08

É estranho para não se dizer normal que pessoas ligadas sintam os problemas uma da outra. Para muitos, o amor é uma ligação tão forte que age como um instinto, um sexto sentido em vários casos, como uma mãe que sente uma pontada estranha atrás da orelha quando seu filho sai com os amigos e depois recebe uma ligação dizendo que ele bateu o carro. Como irmãos, um sabe quando o outro está mentindo quando o primeiro perguntou se estava tudo bem e o outro disse que sim, ou como Caio e Talita, quando ele recebeu a mensagem de voz da esposa e teve um pressentimento ruim. Não há nenhuma pessoa no mundo que não tenha pressentimentos, é normal, é natural, na maioria das vezes ninguém faz nada a respeito e também não acontece nada, mas quando acontece, o sentimento da culpa, da angústia e do “ele poderia estar morto” vem á tona e a vontade de chorar faz lágrimas brotarem nos olhos.

Caio e o pai de Talita estavam no corredor de espera, os dois concordaram de não avisar a mãe para não causar pânico. Caio estava sentado no num banco azul e desconfortável, os braços cruzados entre as pernas, os olhos voltados para o chão. Estava lá desde que saíra do 45BPQD, não fora de nada útil para os dois a entrevista com o comandante da base, as informações eram vagas e ele não conhecia nenhum protótipo de faca com ponta de ósmio, na verdade ele acreditava ser de fabricação caseira.

Isso não importava muito para ele agora, tudo que importava era saber o estado de sua mulher, ele balançava as mãos ansioso por uma resposta médica. Ani, já haviam lhe informado apenas teve escoriações leves, ela vinha sentada atrás do banco do passageiro, e o poste atingiu o lado esquerdo do carro, foi tudo um susto.

Marco e Sâmia chegaram juntos ao corredor do hospital, o relógio indicava dez para a meia noite. Cumprimentaram o pai de Talita e logo foram falar com Caio, que cumprimentou-os permanecendo sentado e abaixando os olhos de novo ao chão, afogando-se em seus pensamentos “algo não está certo, ela não se machucou demais, porque a demora”.

Sâmia era a delegada do DEPHO onde Caio e Marco atuavam, ela tinha grande carinho por Caio e já fora á uma festa de natal na casa dele. Adorou talita e a pequena Ani, sentiu vontade de ter uma família assim. Não simpatizava tanto com Marco, o garoto, apesar de mais novo, conseguiu dormir com ela naquela noite de natal, e no dia seguinte foi embora como se nada tivesse acontecido. Uma coisa que Marco aprendeu sobre as mulheres após Sâmia foi: nenhuma, por mais vadia que seja, gosta de ser tratada como puta, a delegada, definitivamente não era exceção e, apesar de gostar de sexo, também não era uma vagabunda.

Ela vestia uma calça preta, uma camisa branca do DEPHO e um colete preto, estava com óculos escuros que escondiam seus lindos olhos castanhos. Era uma mulher magra, de coxas grossas, tinha um cabelo loiro liso que sempre prendia num rabo de cavalo, sua voz era suave, mas dura, Sâmia tinha delicadeza e ao mesmo tempo firmeza nos movimentos, era inteligente, daquele tipo sarcástica e tinha um ótimo humor, todos na delegacia gostavam da delegada, pois ela era justa, íntegra e avaliava capacidades e não “o embrulho” do sujeito. Talvez por esse motivo, Marco ainda fazia parte de sua unidade, o garoto era bom, ele e Caio em apenas um ano, ele e Caio conseguiram resolver quase sete casos, sem arquivar nenhum, isso incluía o Inquisidor. Depois que Marco se juntou a Caio, tornaram-se de longe, a dupla mais eficiente do DEPHO.

Marco e Sâmia conversavam em pé ao lado de Caio quando um médico veio em direção á ele.

- O senhor é o marido de dona Talita Marchesini?

- Sou doutor – disse Caio se levantando e olhando o médico nos olhos. O sogro levantou-se e juntou-se ao genro.

O médico era baixo, chegando á altura do queixo de Caio, era japonês, tinha uma rala barba e um rosto muito cansado pelo stress causado pelo plantão que vinha fazendo.

- Acho melhor sentarmos – sugeriu o médico.

- Por favor doutor – pediu Caio, tentando conter a ansiedade – desembucha!

“Porque os médicos tentam sempre torturar-nos antes de dar alguma notícia ruim?” perguntava-se Marco.

O médico ajeitou o óculos e levantou uma prancheta que continha uma ficha médica, analisou de novo e uma terceira vez, só então falou.

- O acidente não causou grandes traumas, criou um pneumotórax na pleura direita – o estômago de Caio inchou, ele não havia comido nada e queria vomitar – mas conseguimos liberar a pressão, essa operação foi um sucesso.

Marco percebeu uma ênfase do médico ao falar “essa”, imperceptível á todos, ele ficou calado.

- Quando posso vê-la doutor? – perguntou Caio, relaxando. – Quando ela pode ir pra casa? E minha filha está bem?

- Sua filha está ótima, só teve um corte na testa e já tratamos dela, ela está na ala infantil, brincando com e outras crianças, já mandei traze-la.

Caio teve outro alívio.

- Senhor Marchesini – suspirou o doutor Ijiwa e destacou um papel da sua prancheta que mais parecia uma carta – podemos falar sobre esse exame?

Caio gelou

- Que exame?

- Ela tem pancreatite – disse o médico olhando nos olhos do detetive – o senhor não sabia?

Caio não sabia, não sabia o que era pancreatite, não sabia o que ele queria dizer com isso, não sabia nem a função da droga do pâncreas.

- Tudo bem – disse ele, com o choro entalado na garganta “algo não está certo” veio a sua mente – a gente tem plano de saúde, ela precisa ser operada?

“Realmente ele não sabia” pensou o doutor Ijiwa.

- Senhor, a pancreatite é um processo inflamatório do pâncreas, ele pode se desencadear para uma regeneração na maioria dos casos, mas necessita-se de um tratamento feito á tempo.

- Você não me ouviu? – perguntou Caio levantando a voz – ela tem plano de saúde, um maldito plano de saúde cobre, não?! Se não cobrir, eu vou dar a minha bunda pra conseguir esse dinheiro, mas eu pago!

- Calma Caio – disse seu sogro baixinho tentando acalma-lo com a mão no ombro – eu tenho as minhas economias, dinheiro não vai ser problema.

O médico assustou-se, os óculos tinham saído de novo do lugar e ele ajeitou-os.

- Dinheiro não é problema. O processo está muito avançado, não há mais regressão, será letal em pouco tempo.

- O que você está dizendo? – perguntou caio não sabendo direito se ouvira a palavra letal.

- A doença certamente vai matar a sua esposa – ele esperou a reação do homem – em pouco tempo.

E então a reação de Caio veio, na forma de um soco cruzado, que por pouco não atingiu em cheio o olho esquerdo do médico, mas foi suficiente para quebrar seus óculos e fazê-lo perder o equilíbrio, recostando-se assustado sobre a parede. Marco voou sobre Caio, agarrando-o por trás e imobilizando-o enquanto o médico afastava-se apressado, passando por Ani e a enfermeira que estavam no corredor e presenciaram toda a cena. Sâmia correu para a garota.

- Vem cá querida – disse ela, pegando a menina no colo e levando á outro lugar, para que não assistisse a tristeza do pai.

Caio perdeu a força das pernas. Chorava aquele choro soluçado e sofrido, aquele choro que só choramos uma vez na vida, quando o chão some de nossos pés e não há beiradas á que possamos nos agarrar. Lágrimas quentes brotaram de seus olhos como a magma quente brota de um vulcão em erupção, lágrimas que não podiam e não tentaram ser contidas. O pai de Talita sentou-se na poltrona “meu Deus que pesadelo é esse?” perguntava-se em voz baixa, sem acreditar no que ouvira.

Marco abraçava o parceiro, apertava-o firme contra o peito, ouvindo, com o coração na mão, o choro de seu amigo. “A pior sensação da vida era a de impotência” pensou ele não acreditava em Deus, mas mesmo assim pediu “meu Deus, não me deixe ser impotente agora”.

- Calma cara, vai dar tudo certo – disse calmamente ao amigo, afagando seus cabelos e beijando sua cabeça – vai dar tudo certo cara!

E dos seus olhos também caiu uma solitária e pesada lágrima, por Talita, por Caio e principalmente por Ani.

Ace
Enviado por Ace em 30/03/2007
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