BONDES

BONDES

Lá ia o bonde pelos trilhos, sempre pelos mesmos caminhos, mas a cada viagem descobria-se algo diferente na paisagem e nas pessoas. Em dias de sol, a brisa batia no rosto e trazia um leve refrescar. Em dias de chuva, as lonas arriadas, não impediam que nos encharcássemos, e ainda impediam a visão do mundo que acontecia lá fora. Os bancos de madeira envernizada, sempre limpos, sem rabiscos, levavam senhoras e senhores a seus destinos, com toda a circunstância. Os reclames de Regulador Xavier, Biotônico Fontoura, Gumex, Brilhantina Glostora, Xarope São João e outros, tomavam as laterais da cobertura com seus desenhos e letras góticas, dando um ar cosmopolita aos passageiros.

As conversas nunca eram privadas e grande parte das vezes, alguns assuntos viravam quase assembleias. O motorista era motorneiro, o cobrador era amigo, ou inimigo, se alguém descesse sem pagar, e o fiscal com seu redondo carimbo, controlava num rol, quando subia no bonde, o número de passageiros. Até hoje ainda desconfio desse controle. De quando em vez, quando a lotação sentada estava completa, viajava-se nos estribos e era uma sensação indescritível de liberdade. Para as crianças viajar no reboque, que ia pipocando pelos trilhos, era a glória maior. Quando havia greves, os bombeiros assumiam a condução dos bondes e a viagem não era paga. Até que um dia, mataram os bondes elétricos e chegaram os ônibus, com sua tosse fumacenta e seus espaços fechados. Dali em diante, a infância e a juventude perderam grande parte de sua graça, e morar em Santos, já não era a mesma coisa.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 23/05/2013
Código do texto: T4305649
Classificação de conteúdo: seguro