Tudo bem?
É parte da cultura brasileira fazermos essa interrogação quando nos reencontramos com pessoas com quem não vivemos diuturnamente. É de praxe também que a resposta sempre seja positiva e acrescida de uma nova pergunta:e com você. Espera-se que nenhuma pessoa com o mínimo de respeito a si mesmo e ao outro seja completamente sincera e comece a desenrolar uma ladainha falando de suas mazelas. Tornou-se um hábito social, um código que deve ser respeitado em favor da boa convivência. Automático.
Tenho notado em mim uma ligeira hesitação agora que descobri que tenho câncer. Continuo respondendo do mesmo jeito, mas hesitante. Como pode estar tudo bem se estou doente e as pessoas sabem disso? E não é porque estou doente – eu estou realmente bem dentro do quadro clínico que apresento. Há um temor porém de que a pessoa receba a imagem de um ser deslumbrado que a todo momento precisa garantir aos outros e a si mesmo que está tudo bem. A vida é bela, repete continuamente a personagem da novela para quem tudo sempre dá errado. Sou capaz de sonhar, mas a realidade para mim é fundamental e a minha realidade transformou-se completamente de um dia para o outro. Tento adaptar-me, mas certamente não é fácil.
Quando concluí o Curso de Formação de Professores, fui a última a ser contratada. Afinal, meu pai, o inimigo camarada, era da oposição ao Governo. Mal recebi meu canudo do segundo grau desci para a Padaria e ali fiquei até o mês de maio, exatamente no dia 11, quando comecei a aprender a educar. Do trabalho em um turno, logo passei para o trabalho em três turnos. Herdando o negócio familiar com meus irmãos reduzi o ritmo de trabalho para ajudar a cuidar dos negócios. Sempre envolvida com política sindical educacional, acabei Secretária da Educação, passei a cuidar especificamente da Cultura e após seis anos e meio pedi demissão com o objetivo de reestruturar o nosso negócio. Durante esse tempo fiz Faculdade, estudei Logosofia, participei das muitas idas e vindas da Academia Lavrense de Letras, freqüentei cursos de serviço, viajei muito. Nunca tive muito tempo de ficar sem fazer nada. Quando me diziam para parar um pouco e curtir a vida eu sempre perguntava a mim mesma: mas que diabo será esse curtir a vida de que tanto falam se eu acho que o tempo todo estou curtindo a vida? E agora, de uma hora para outra, tento estabelecer uma nova rotina prazerosa. Eu, que quase me bastava, agora dependo de muitos. Vivo descansando, porque tudo me cansa. Tomar banho, comer, conversar demais, escrever, ler. Não sei se atualmente posso dizer que sou uma mulher cansada, ou descansada. O que sei é que, como tudo, de um jeito ou de outro, essa fase também passará. E é isso que penso estar fazendo – me adaptando, um passo de cada vez.
É parte da cultura brasileira fazermos essa interrogação quando nos reencontramos com pessoas com quem não vivemos diuturnamente. É de praxe também que a resposta sempre seja positiva e acrescida de uma nova pergunta:e com você. Espera-se que nenhuma pessoa com o mínimo de respeito a si mesmo e ao outro seja completamente sincera e comece a desenrolar uma ladainha falando de suas mazelas. Tornou-se um hábito social, um código que deve ser respeitado em favor da boa convivência. Automático.
Tenho notado em mim uma ligeira hesitação agora que descobri que tenho câncer. Continuo respondendo do mesmo jeito, mas hesitante. Como pode estar tudo bem se estou doente e as pessoas sabem disso? E não é porque estou doente – eu estou realmente bem dentro do quadro clínico que apresento. Há um temor porém de que a pessoa receba a imagem de um ser deslumbrado que a todo momento precisa garantir aos outros e a si mesmo que está tudo bem. A vida é bela, repete continuamente a personagem da novela para quem tudo sempre dá errado. Sou capaz de sonhar, mas a realidade para mim é fundamental e a minha realidade transformou-se completamente de um dia para o outro. Tento adaptar-me, mas certamente não é fácil.
Quando concluí o Curso de Formação de Professores, fui a última a ser contratada. Afinal, meu pai, o inimigo camarada, era da oposição ao Governo. Mal recebi meu canudo do segundo grau desci para a Padaria e ali fiquei até o mês de maio, exatamente no dia 11, quando comecei a aprender a educar. Do trabalho em um turno, logo passei para o trabalho em três turnos. Herdando o negócio familiar com meus irmãos reduzi o ritmo de trabalho para ajudar a cuidar dos negócios. Sempre envolvida com política sindical educacional, acabei Secretária da Educação, passei a cuidar especificamente da Cultura e após seis anos e meio pedi demissão com o objetivo de reestruturar o nosso negócio. Durante esse tempo fiz Faculdade, estudei Logosofia, participei das muitas idas e vindas da Academia Lavrense de Letras, freqüentei cursos de serviço, viajei muito. Nunca tive muito tempo de ficar sem fazer nada. Quando me diziam para parar um pouco e curtir a vida eu sempre perguntava a mim mesma: mas que diabo será esse curtir a vida de que tanto falam se eu acho que o tempo todo estou curtindo a vida? E agora, de uma hora para outra, tento estabelecer uma nova rotina prazerosa. Eu, que quase me bastava, agora dependo de muitos. Vivo descansando, porque tudo me cansa. Tomar banho, comer, conversar demais, escrever, ler. Não sei se atualmente posso dizer que sou uma mulher cansada, ou descansada. O que sei é que, como tudo, de um jeito ou de outro, essa fase também passará. E é isso que penso estar fazendo – me adaptando, um passo de cada vez.