Parábola da lembrança da queda
Certos sentimentos que nos afloram muitas vezes se assemelham a cicatrizes que temos de feridas passadas e nos fazem lembrar as vicissitudes.
Em um momento especial, encontrei um abrigo para meus recolhimentos, os momentos em que o imo se expõe e nos faz sentirmo-nos nas nuvens. Um abrigo que me acolhia com seu aconchego, sua cumplicidade de local reservado, sem que se fizesse obrigatoriamente o porto, o refúgio diuturno. Era assim que eu o sentia.
Para esse abrigo eu me deslocava, certa vez, com celeridade. Fazia-se noite quando senti a urgência de me reportar a ele. De repente, sem mais porquê, o chão desapareceu sob meus pés, e eu me vi projetado, interrompendo aquela ida.
Levantei-me, continuei na busca ao abrigo, mas já não senti nele a acolhida de outrora. Tentei tratar as feridas, porém agora apenas com a ajuda externa.
Voltei ao local em que o chão me faltara, em busca de uma explicação, e não a encontrei. Só conjecturas.
Tinha, sim, conseguido uma profunda ferida, que me magoava externa e internamente.
Novamente retornei ao meu refúgio, em busca de uma explicação para aquela abrupta interrupção de meus planos, e o que encontrava não continha substância, não me convencia. Sabia, agora, que minha queda fora – talvez – em vão, sem explicação.
Por longo tempo aquela ferida, que me tirara substância física e emocional, me incomodou, relembrando todos os passos percorridos por mim, antes e depois daquele incidente de me faltar o chão. Por longo tempo senti no corpo e na alma sua dor.
E o mesmo tempo que me fez sofrer a dor da perda fez, também, que a cicatriz fosse formando. Uma cicatriz em segunda intenção, aflorando do interior e tentando cobrir o exterior magoado.
Agora essa cicatriz já não dói. Apenas seu aspecto fibrótico, a se fazer sentir em alguns momentos, além daquele aspecto diferente, me faz lembrar o abrigo, a busca, a queda, a perda. Essa cicatriz não me deixa esquecer tudo por que passei, embora já não haja dor.