AMAR DEMAIS
Por Carlos Sena

 
Por vários motivos eu sou feliz. Como tantos que conheço que, iguais a mim, conseguem ser felizes apesar da TV, do computador, da internet, dos celulares, dos sensores de controle remoto e tantos mais. Nesse rol de pertencer ao mundo moderno tão cheio de “senões”, conseguir não se deixar levar é motivo de mais felicidade. Nesse mesmo caminho, a gente descobre que não perdeu a capacidade de conversar, de prosear, de saber dos amigos – falar-lhes e ouvir deles suas histórias do passado e até do presente. Pois bem: nesses dias, uma querida amiga me contou um aspecto da sua vida que achei que me dava um “mote” interessante para eu escrever algo em forma de crônica. Contou-me que, em vinte e cinco anos de casada com o “ex-marido”, tudo fazia todo dia para ele, inclusive botar pasta de dente em sua escova pela manhã e deixar sua roupa prontinha na cadeira para ele se vestir, inclusive com a cueca. Hoje, prosseguiu ela, depois de sete anos de separada, “não acredito que era eu quem fazia aquilo, porque me sinto a mais livre das criaturas”, completou. Seguiu a conversa dizendo que apesar do sofrimento da separação, hoje ela pode descobrir que aquilo não era casamento, mas costume. Atualmente ela está sem namorado, mas não porque não queira. É que os seus pretendentes só querem casar, mas ela foge do casamento como o diabo foge da cruz.
Talvez minha amiga estivesse no rol daquelas mulheres que “amaram demais”, o que é inconcebível essa forma de amar, porque não se pode amar demais. Amar demais é algo como se isolar do mundo e viver a vida da outra pessoa. Certo dia a relação acaba, porque “pra sempre sempre acaba”, como diz a canção popular. Essa prosa toda aconteceu, certamente, porque nós não nos deixamos perder pelas mídias modernas que parecem ter exterminado com os diálogos, com os encontros “ao vivo e em cores”, cedendo lugar às redes sociais. Deste modo, imagino que se consiga ser moderno sem deixar de ser eterno. Porque só se eterniza em vida que não se perde no passado e faz dele um presente que permeia a vida e nos imuniza do domínio, por exemplo, da internet, das novelas, dos celulares e assemelhados.
A contrapartida negativa desses tempos que a gente chama de moderno é um pouco disso – essa perda do “sumo da nossa essência humana” que foi feita para conversar, para abraçar, para beijar, fazer sexo ou compra-lo feito em caixinhas... Em caixinhas? Isso não. Esse é mesmo o que a gente tem que fazer a dois, pois já se fala em “sexofone, gosofone, Cam” e outras derivações. Minha amiga nem sabe que eu aproveitei nosso papo de fim de tarde para transformá-lo nessa prosa. Mas, se souber, vai ficar feliz. Porque hoje ela defende que todo mundo saiba que não se deve “amar demais”, pois geralmente quando um dos dois ama demais o outro ama sempre de menos e um dia a corda quebra no lado mais fraco. Disso tudo fica a lição: jogar conversa fora, muitas vezes, é deixar certeza dentro...