Nem isso, nem aquilo: Qualquer coisa de intermédio
Crônica da experiência definitivamente jornalística e literária de uma repórter na Virada Cultural de São Paulo
Quando levantei para pegar as coisas no bagageiro, metade dos passageiros já havia sido lançada para frente com a última freada do motor – pois estavam todos de pé bem antes do ônibus se aproximar da Barra Funda. Eu pensei: Aqui estamos entre paulistanos. A noite estava preparando um fim de semana nublado quando cheguei a São Paulo, nessa sexta-feira. Com direito a garoa, violência e diversidade escancarada pelas ruas para a Virada Cultural. Aqui é São Paulo.
O cenário à paulistana nos lembrava bem da identidade do evento: Anhangabaú, Largo do Arouche, Mercadão, Júlio Prestes, República, 25 de Março… E havia gente por toda parte, de toda parte. De correr os olhos na multidão, encontrei amigos do cursinho e da rua, da faculdade e da natação – não por ter muitos amigos, trombar em 20 conhecidos era o mínimo que pedia a estatística. Mas foi quase uma hora de busca pelo grupo permanente da minha Virada.
Do pouco que se pode afirmar de maneira generalista sobre esse fim de semana, eu destaco a procura. Estávamos todos a procurar o amigo que se soltou do grupo ou o próximo palco a visitar. Faz parte da cultura da Virada tudo aquilo que acontece nos caminhos, os desvios de percurso, a enorme quantidade de pessoas que não fazem ideia de onde estão ou do que estão fazendo. Digo isso porque o rapaz que parou para olhar a loira cacheada estava se perguntando sobre os mistérios de quem é bonito sem querer, enquanto seus amigos se afastavam. Ficou perdido o resto da noite, sob efeito de alguma substância que ele não se lembra de ter consumido. Um amigo meu nos meteu num show de mágicas, no Parque da Luz, na iminência de nos direcionarmos a um palco de jazz. Depois de uma nota de 2 reais brotar dentro de um limão e com um truque barrado pela ausência de uma criança indiana na plateia, o mágico fechou o espetáculo arrancando-se de dentro de uma camisa de força. E o jazz ficou para a próxima.
Nós espiamos os palcos, ouvimos as músicas e desejamos estar em dois, três lugares ao mesmo tempo para acompanhar as programações do SESC, mas a movimentação das pessoas nos diz mais detalhadamente o que é a Virada Cultural em São Paulo. Um ar de curiosidade, partindo principalmente de crianças e senhorinhas (a parte mais sábia da população), me obrigou a verificar de perto um monumento decorado com ratos mortos e envernizados, no Largo São Bento. Mas também foi a reação das pessoas, desta vez a de pânico, que debandou meu grupo na correria que anunciou espancamentos a pauladas em ruas menos movimentadas próximas à Praça da Sé.
Um casal que passou a contar o aniversário de união a cada Virada estendeu a noite para o dia, como fizeram há seis Viradas atrás, quando se conheceram. Mas também teve quem, de canivete no pescoço, entregou os pertences a um assaltante – por questão de estatística, também estavam lá, aos montes – e jurou nunca mais voltar para o evento cultural. Dançarinos banhados em purpurina se exibiam sobre as caixas de um som eletrônico acompanhado das projeções caleidoscópicas na parede e dos guarda-chuvas iluminados da decoração, enquanto violência e arte aterrorizavam e entorpeciam o público, em algum espaço próximo à Estação da Luz.
Os paulistanos e aqueles que vieram comemorar São Paulo nesse fim de semana definitivamente cultural têm em comum isso de não terem nada em comum, ou de comum. Agora vamos fazer um pouco de silêncio, conforme o apelo do senhor morador de rua que tentava dormir sendo desviado pela multidão – pela parte que conseguia discernir esse desvio – em plena Rua Mauá. Ano que vem tem mais.