Yashica Automática
Domingo despretensioso, manhã quente de outono enquanto eu via pela internet uma palestra que falava sobre o comportamento atual da juventude e de como nós nos adequamos à modernidade (e não o contrário). Talvez sem ser o propósito principal recordei minha velha infância (como diriam os Tribalistas) e os poucos registros fotográficos que possuo daquele tempo. Não tínhamos câmera e na maioria das vezes as fotografias só surgiam em datas festivas. No começo da adolescência eu ganhei uma máquina Polaroid de presente, mas o filme era caro, o que me fazia economizar bastante nas fotos. Minha alegria deu-se realmente quando eu tive uma Yashica automática (daquelas analógicas que não precisavam ficar girando a manivela depois de cada pose) lá pelos quinze ou dezesseis anos.
O palestrante lembrou-me de como era gostosa a sensação de esperar aquela uma hora até as fotos estarem prontas. Apesar de toda a ansiedade, agora vejo como excelente a expectativa de fotografar minhas viagens, com as estradas, as paradas de apoio rodoviário, os lugares diferentes que eu conhecia e as amizades que fazia pelo caminho. Ou minha família reunida no Natal, meus tios e primos que eu via uma vez por ano, minha avó que não gostava de ser fotografada e meu avô de quem consegui poucas poses – quase todas sérias. Após isso era o período de agonia, aguardando o processo de revelação para saber como as fotos ficaram: se saíram todas as poses, se o filme estava incompleto, a luz ou quem cortei cabeças, pés e braços. Normalmente levava para revelar no fim das férias, temporada de verão, uns dois, não mais que três filmes coloridos de 36 poses.
Agora temos máquinas digitais, cartões de memória (circuitos em pedacinhos plásticos retangulares) que comportam mais de trezentas, quiçá mil, duas mil ou cinco mil imagens. Não existe mais o processo de idealizar, fotografar e imaginar o resultado: um álbum de família, o porta-retratos na sala, uma exposição, poster da amada ou numa caixa de sapatos. Registramos tudo e todos. Tiramos fotos em frente ao espelho no banheiro, de acidentes, da televisão, do assalto, incêndios, da falta de vida. Descartamos na hora o que não interessa ou que não tem qualidade. Falando assim fica parecendo um discurso pró nostalgia, mas não. Não sou contra a tecnologia e sim contra a banalização que ela criou e o que fazemos dela.
Saudosismos à parte, é no mínimo interessante o que esse fenômeno provocou entre nós. Talvez na mesma proporção que buscamos nosso individualismo estamos cada vez nos expondo mais e mais. São milhares de imagens digitais produzidas e disponibilizadas em blogues, redes sociais, sites de relacionamentos; mostrando nossas viagens à lugares exóticos, as festas legais que frequentamos e o que preparamos para o almoço. Não somos mais apenas expectadores, agora produzimos informação ou somos parte dela. Como não sermos vaidosos ou expositivos?Conversando pela internet com minha prima distante eu consigo saber sem perguntá-la, onde ela está nesse exato momento, descobrir onde esteve ontem, com quem andou e o que bebeu. Vira um comercial da vida real. Ou melhor, da vida ideal.
Hoje eu tenho uma câmera digital modesta com poucos megabytes de resolução. Optei por isso. Já não resisto à tentação de fotografar minhas experiências culinárias e a noitada com os amigos. Imagine isso tudo em alta qualidade? À noite ficamos turvos, quase opacos, e nossa versão distorcida ainda é melhor que a exposição total. Mas também tem o lado bom, já que os anos vão passando e a memória não é mais a mesma. Consigo resgatar o passado que quero resgatar e os amigos que fiz pelo caminho. Por falar em caminho, vejo os lugares que visitei e o que deixei para trás. Contudo por enquanto as fotos ou imagens digitais são somente o que vemos em miniaturas, representações nossas em preto, branco e cinza. Coloridas em um papel especial. Nada mais. As experiências, as lembranças, os reais momentos... essas não tem Yashicas ou Cibershots que deem jeito de retratar!