Qualidade de Vida

Há verdadeiramente coisas fascinantes. Transatlânticos que ficamos maravilhados com as suas altura, comprimento, largura. Como pode um bicho desses se deslocar pelos oceanos com tranquilidade? E ao mesmo tempo ser vencido pela turbulência das ondas durante uma tempestade no mar? Aviões que transportam centenas de pessoas em voos que duram mais de 15, 18 horas. Castelos medievais erigidos no ponto mais alto dos montes ou colinas, como na ilha de Capri, na Itália, para que de lá se pudesse vigiar a movimentação dos invasores. E como esses antigos já detinham técnicas construtivas que lhes permitiam trabalhar em locais de tão difícil acesso?

E nos dias de hoje, esses incríveis computadores e equipamentos correlatos que tornam a nossa vida cada vez mais cibernética. E uma série de outros comportamentos, situações e trabalhos do homem que nos deixam perplexos, toda vez que nos damos ao trabalho de neles nos determos.

Mas pode ser igualmente fascinante um passeio pela calçada da rua em que moramos ou outra rua qualquer. Desde que não seja a rua Uruguaiana ou um dos becos ou vielas da ilha de Capri ou em Positano, no sul da Itália, nada a dever, em certos aspectos, a um shopping em um de nossos bairros.

Se residirmos numa cidade como Patina, por exemplo, no sul da Itália, talvez com pouco mais que 6 mil habitantes, apenas um restaurante, uma oficina de automóveis, pouquíssimas lojas, etc., um passeio pela calçada de uma de suas ruas poderá resultar numa experiência também fascinante. Porque nos colocará na situação de dificilmente nos encontrarmos com alguém que não conheçamos. Isso quando encontrarmos com alguém. O que nos facilitará a chance de nos encontramos com nós mesmos, desde que o desejemos.

Cidades desse tipo não precisariam, em tese, de praças. Porque já se constituem em uma. Ao passo que em cidades com maior população, com um comércio muito mais expressivo, cinemas, estádios de futebol, sistema de transportes, hospitais, universidades, inúmeros prédios administrativos, igrejas, com todas as características, enfim, de uma megalópole, as praças deixaram de ser locais onde a permanência seja recomendável. Como é o caso do Rio de Janeiro, pelo menos.

Isso nos deixaria na contingência de imaginarmos que em locais menos habitados a qualidade de vida seria melhor. Pelo menos sob o ponto de vista contemplativo. Embora haja quem não consiga viver sem gente por perto. Cinemas, shoppings, teatros, livrarias, ruas movimentadas, atrativos a que estamos habituados desde nascença. Podemos até passar um tempo em Patina ou Poderia, também no sul da Itália, como em Cordeirinho, distrito de Maricá, mas viver lá nunca. Por mais contemplativa que fosse a nossa vida, independente da atividade que exercêssemos para a manutenção própria.

Há lugares no interior, e não precisa ser no sul da Itália, em que podemos sentar com segurança no banco de uma praça e conferirmos a beleza de uma árvore, os diferentes tipos de verde da vegetação, fazermos uma reavaliação do que fizemos até aquele dia, que não precisa ser o último dia do ano, verificar se fomos felizes ultimamente no que dissemos à mulher ou ao marido ou aos nossos colegas de trabalho, etc. Nos dedicarmos, enfim, a um exercício de autoanálise. Possivelmente isso não seria possível em qualquer praça de Marechal Hermes, Belford Roxo, São João de Meriti ou mesmo Copacabana, onde não são confiáveis as condições de segurança. E no calçadão da antiga Sernambetiba (atual Lúcio Costa) ou da Atlântica? Independente das condições de segurança, será que não teríamos chance de realizar essa autoinvestigação? A plástica admirável de mulheres e homens andando de baixo para cima, a tenacidade de idosos que teimam em se manter em forma andando ou mesmo correndo diante da gente, as roupas com que nos trajamos para esse desfile no calçadão, isso tudo não seria um impedimento à nossa tentativa de refletirmos um pouco sobre nós mesmos, sobre o que nos cerca, sobre o que vivemos fazendo há tanto tempo, sobre a vida? O que pode ser a qualidade de vida? É um pouco difícil acharmos árvores dando sopa na Avenida Atlântica ou na Sernambetiba. E as que encontrarmos não terão tempo de atrair os nossos olhares, mais preocupados com os cabelos, seios e uma bunda implacavelmente feminina. Ou com as tatuagens nos jovens braços musculosos de um adolescente. Diferentes tipos de verde na vegetação dessas duas avenidas? Provavelmente não teremos tempo de notar, se estivermos, por exemplo, com o nosso iPad ou iPhone, ou conversando com um amigo a respeito de como fazer para garantirmos o uso das milhas que temos na próxima viagem. Ou se porventura a vegetação ainda existir. O que, por conta desses detalhes que nos cercam, será indiferente.

De qualquer modo, será que alguém pode garantir que esse tipo de vida, ou a sua qualidade, é inferior ou superior à que leva o habitante de uma cidade do interior com elevados índices de segurança? É arriscado respondermos sim ou não. Se imaginarmos que a qualidade de vida no interior é maior, como explicamos o surgimento de grandes artistas, poetas, ideólogos, escritores, pensadores formados exatamente nos grandes centros? O que não significa dizer que eles não possam ser encontrados nos pequenos centros. Sabemos que muitos vêm de lá. E isso acontece porque acham que precisam ser conhecidos ou reconhecidos. Nesse “acham” se inclui a necessidade de adquirirem um padrão financeiro de vida melhor. De poderem comer e viver melhor. O que não seria possível no lugar em que nasceram.

Por outro lado, eles cresceriam tanto se tivessem permanecido em seus locais de origem? E não foi bom que isso tivesse acontecido, para que conhecêssemos uma arte que, na verdade, foi a natureza que criou? Ou o que são os dotes artísticos?

Ou o que é a qualidade de vida? Parece-nos, portanto, qualquer coisa que está no ar. E, desse modo, pode estar em qualquer lugar.

Rio, 22/05/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 22/05/2013
Reeditado em 22/05/2013
Código do texto: T4302745
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