Triturar calçadas ou preservar o mangue
TRITURAR CALÇADAS OU PRESERVAR O MANGUE
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 22.05.13)
Sou realmente um ignorante irretocável em assuntos de administração pública e gestão do meio ambiente. Vejo atitudes, ações, omissões e declarações e não consigo assumir uma posição nem formar um juízo ao menos razoável sobre os acontecimentos: tudo pode ser tanto uma coisa como o seu extremo oposto. Não consigo assumir uma posição a não ser levado por uma revista, uma televisão, um pastor ou um líder carismático (especialmente se esse líder pagar o meu sacrossanto salário mensal).
A dialética se instala e nada concluo sequer com mediana clareza. De acordo com o Houaiss, no platonismo a dialética é um "processo de diálogo, debate entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade, através do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias". O problema em Platão é descobrir quando os interlocutores buscam honestamente a verdade e quando atuam segundo um papel predeterminado, seja político, filosófico ou religioso, mas sempre de olho nalguma vantagem. No fundo, todos queremos ganhar mais dinheiro, independente de quanto tenhamos e de quanto efetivamente necessitemos. Me darei por feliz se conseguir te ludibriar, inclusive intelectualmente.
De fato, hoje todos os idealismos estão sepultados, todo mundo esconde um interesse, muitas vezes inconfessável, por detrás das palavras, pensamentos, atos e omissões. Não há para onde correr, seja para o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, a Igreja ou o Ministério Público: tudo é relativo e depende de interpretações que hoje são pétreas e amanhã serão reformadas sem qualquer escrúpulo, respeito ou consideração pelos prejudicados. Melhor dizendo: pelos atropelados.
Afinal, a vida se faz assim, não é mesmo?, de acertos e erros, de vantagens e prejuízos, de momentos e oportunidades, de ganhos e perdas. Sinto muito. Se faz de trapaças e desonestidades. No fundo, a questão básica é posicionar-se (custe o que custar) como o homem certo na hora certa e no lugar certo; qualquer desvio em uma dessas três circunstâncias levará para o brejo a tua causa (por mais nobre que seja) feito vaca atolada.
Vejo, por exemplo, uma gigantesca lagarta e um leve lince a revolver as águas e as margens do Rio do Sertão à saída do bairro Santa Mônica, operação que já realizaram manguezal a dentro pelos baixios pantanosos do Itacorubi. Rio e regatos dragados para cima e para baixo. Humm... Imagino que seja uma operação necessária e, até, indispensável: se as águas não tiverem leito onde rolar, subirão às margens e transbordarão, inundando em volta casas, ruas e lojas (construídas, um dia, sobre o mangue).
Lagarta e lince ("caterpillar" e "bobcat", no original), retroescavadeiras de esteira de aço, avançam devastando o caminho que percorrem e empilham, ao lado, o lodo com vegetação retirado das margens e leitos dos córregos. Mas ali vivem jacarés, tartarugas e peixes de 40 centímetros. Fora caranguejos e a fauna miúda. Onde irão parar, durante a operação que ocorre a cada seis meses, esses animais, seus ninhos e seus ovos?
Além disso, para chegar ao local de trabalho, ao cruzá-los esse maquinário tritura em diversos locais meios-fios, ciclovia e pista de caminhada, inclusive uma calçada que fora refeita há semanas, depois de passar meses detonada. Não haveria formas de criar alguma passarela móvel, por exemplo, que preservasse os bens públicos?
Burro que sou, não encontro respostas. Porém, dialeticamente falando...
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.
"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."
Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a "e-mail" sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.