Adelaide

Ia pelos anos oitenta e era um tempo em que, além de babá, eu contratava lavadeira diarista. O monte de roupa na lavanderia, sabão em barra (aqui se diz sabão em pedra), sabão em pó, água sanitária (sem isto as lavadeiras não conseguiam trabalhar). A torneira bem farta a encher continuamente o tanque: ensaboar, retirar, tornar a ensaboar, enxaguar e tornar a enxaguar. Roupa lavada à mão. O rádio tocando, a lavadeira cantando, e dependurando as roupas. Dona Tânia, acabou o sabão, acabou a água sanitária. Tem mais pregador? Que trabalhão passar a escova nestas calças jeans. A manhã terminava, o almoço. Adelaide cantando. Adelaide falando. Falava com a água, com o sabão, com a roupa, com quem estivesse por ali, com o locutor da emissora de rádio. Quando chegava na hora do noticiário, ela rolava o botão em busca de mais música. Falava com a roupa, experimentava pra ver se algumas já estavam secas. Falava sozinha, falava com o sol e com a chuva. São Pedro, coopere, preciso terminar a roupa. Depois do almoço Adelaide falava, lavava, gastava tudo, mas a roupa ficava cheirosinha cheirosinha no varal. Depois vinha coberta até a cabeça com a trouxa de roupa bem limpinha. Chega, dona Tânia, antes que chova. Adelaide com o vestido molhado, toda compridona, os cabelos curtos, estragados, crespos, passados água oxigenada. Cadê a tábua de passar ferro? Cadê as cobertas de passar em cima?Cadê as cadeiras para ir colocando as roupas? Tome tudo, Adelaide. E eu achando lindo aquele jeitão de Adelaide, a compridona. Adelaide, você está molhada, vai ligar o ferro? Tem nada não, tou acostumada. E passava a mão no fundo do ferro pra ver se já estava no ponto. Ah, agora tá quentinho, vou passar primeiro as calças jeans que essas calças me gastam o juízo. Aí eu me sentava para conversar com Adelaide. Ela conversava tanto, mas sem pergunta e resposta, já ia tudo direto. Adelaide, vamos organizar, responda ao que eu perguntar. Tá. E sempre rindo sem que se soubesse o motivo daquele riso que não tinha intervalo. Daqui a pouco, quando terminar de passar esta roupa, eu vou pra minha casinha, que bom que hoje está chovendo. Vou ver minha novelinha. Adelaide, me diga sobre onde você mora, como é sua casa. Dona Tânia, minha casa é um barraco, uma parte de papelão e outras de coisas que a gente pega na rua, pedaços de portas, portas de geladeira jogadas no lixo. Deixa de conversa, Adelaide, você não mora assim. Moro, sim! E como tem televisão? Comprei à prestação. E como compra se não tem emprego de carteira assinada? Minha colega compra e eu pago a ela. Ah, tá. Mas, chovendo assim, não molha a sua TV? Nãooooooooooooooooo! Eu coloco todas as roupas cobrindo, durmo sem lençol, mas minha TV não toma chuva. E você tem guarda-roupa? E como faz com suas roupas e dos dois meninos? Ah, dona Tânia, é cada quem uma caixa. Cada quem? Sim, cada quem tem sua caixinha pra guardar a roupa. E tem goteira na sua casa, Adelaide? Ói pra dona Tânia, claro que tem goteira, muitas. E como você faz? Eu pego as panelas e espalho todas, na goteira maior eu coloco a panela de pressão. Poxa, Adelaide, que pena. Que nada, eu tou bem assim. E cantava e cantava. E suspirava. Adelaide, que tanto suspiro é esse? Tá apaixonada? Ah, eu vivo apaixonada. E por quem, Adelaide? Pelo meu homem. Seu marido? Não, meu homem mesmo. Ah, tá. E ele é bom com você que gosta tanto assim dele? Bom... sim, ele é bom. Adelaide, além de suspirar, eu estou achando que você está com a respiração curta. O quê? A respiração, sua respiração parece cansada. Então, ela descansou o ferro na grade da tábua e disse: é, dona Tânia, eu tou com a suspiração curta. E por que, Adelaide? Porque ele... Ele quem? Ele, meu amor. Ah, sim, que fez ele? Ele me deu um tapão na caixa dos peitos que até agora estou assim, sem suspiração.