VIRADA CULTURAL: COMO FOI A PARTICIPAÇÃO DO MOVIMENTO POPULAR DE ARTE DE SÃO MIGUEL PAULISTA
Domingo, 19 de maio, 13:05. Entro no metrô, estação Brás. Penso em desabafar com o João, “estamos atrasando”. Mas fico quieto, “pra que afobar o menino?” Nervoso, opto por descer no Anhangabaú, quando o certo seria descer na estação República, bem mais próxima da Galeria Olido. Subimos as escadas rolantes e pegamos o caminho via Cel. Xavier de Toledo. Sempre agitada, com um cotidiano de táxis e ônibus, hoje não, hoje está tranqüila, vazia. De todos os lados espocam sons vindos dos baixos do Viaduto do Chá, da Ladeira da Memória, da Barão de Itapetininga, a Virada ta acontecendo, meu! Pena que estou com pressa. São Paulo, a minha Sampalândia, está vivendo seu dia de ludicidade e eu nem posso degustar direito. Contorno o Municipal, entro pela 24 de Maio, comento “pô, filho, a Galeria do Rock tá fechada!” E ele, meio decepcionado, “É!” Às 13:21 entro esbaforido na Olido.
Cheguei a tempo. Tento encontrar o Éder, a Lígia e o Akira para desculpar-me pelo atraso, mas não os encontro. Fico sabendo, que eles já passaram o som, e separaram um microfone pra mim, testado e pronto. Família sincronizada pelo relógio da poesia.
Menos de quinze minutos depois Zulu de Arrebatá e sua trupe iniciavam a contribuição que o MPA (Movimento Popular de Arte), dos distantes rincões São Miguel Paulista – no extremo leste – veio dar para a Virada Cultural 2013.
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Às 19:33, saio do imponente prédio acompanhado da musa e do Nicanor, velho amigo que reencontro depois de 12, 13 anos. Alguns parceiros e amigos estão à porta, preparando-se para ir bebericar alguma coisa. Todos na certeza do dever cumprido. E do gozo vivido.
Desde longínquos 15, 20 dias atrás, quando o Akira me surpreendeu ao telefone numa manhã de pouco sol, convidando-me para dividir o palco com ele em algumas declamações no palco reservado para as apresentações musicais do povo de São Miguel e região, lá se foram encontros, seleção de poemas, ensaios e outros “pormaiores”, que tornaram os meus dias mais corridos, minha vida mais colorida. E dolorida. Tudo bem, a dor da arte não dói na carne nem na alma, ela traceja uma linha sombreada sobre nossos espírito e nos oferta o lirismo para suportarmos o tranco das dúvidas, rancores e maus amores.
Akira Yamasaki, sessentão incansável, cofundador do Movimento lá pelos idos de 78, 79, foi convocado pelo Zulu de Arrebatá – outro pioneiro da arte organizada em São Miguel – para tomar conta de um dos microfones do palco da Galeria Olido, um dos vários disponibilizados para as apresentações da Virada. Foi daí que o japa socializou, chamou vários outros poetas para dividir com ele a responsabilidade de interferir nos shows de Zulu, Ceciro Cordeiro, Sacha Arcanjo, Gildo Passos e Edvaldo Santana. Eu entre os tais.
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O público ainda está chegando, mas a opção é pelo cumprimento dos horários (aliás, um dos elogios mais comentados aos eventos em geral da Virada. Nisso, creio que quase todos acertamos). Apertamos o on dos aparelhos e a banda de Zulu (Armando Leite, guitarra; Eder Luis, bateria; Helder Jonnas, contrabaixo; Fabricio, teclado), ataca sem violência os nossos ouvidos. No balanço de sua poesia antenada, gingada e atemporal, iniciamos a participação do MPA na Virada 2013.
Com um show sem erros, Zulu segura a onda, faz a cama de gato enquanto a platéia vai aos poucos tomando conta do espaço. Convida o parceiro de longa data, Jocélio Amaro, para adjetivar ainda mais as energias sonoras, e tome-lhe mais clímax. Então Cláudio Gomes, Akira Yamasaki, Lígia Regina, Éder Lima e eu subimos ao palco pela primeira vez para lançarmos nossos dardos poéticos.
Ceciro Cordeiro, a voz tronitoante, divinamente acompanhado por uma moçada esperta e talentosa, também marcou presença. Aliás, falar de presença de palco quando se trata de Ceciro é puro pleonasmo. Suas caras&bocas enquanto entoa canções recheadas, renovadas e aceleradas, recheiam nossos sentidos todos. Pra completar, além deste escriba e de Akira e Éder, chamou Tiago Araújo, outro showman da buliçosa São Miguel, e que se professa em tantas artes e com tanta desenvoltura em todas, que chego a pensar se não serão dois ou mais tiagos que habitarão aquele corpo espigado e barbado.
O terceiro convidado musical da tarde, Sacha Arcanjo, dispensaria apresentações, pois corremos sempre o risco de nos tornamos enfadonhos e hiperbólicos na rasgação de seda. Insisto em dizer, porém, que esse cabrón de voz aveludada, mix de Dorival Caimmy com Djavan, e mais um dedinho de Cartola, e outra pitadinha de Chico Buarque, mesmo rouco, mesmo afônico, mesmo assim, na raça e no talento, somou/multiplicou em líricas uma tarde que se fazia como num jardim do éden atemporal. Não queríamos que o tempo passasse, ali, àquela hora.
Com uma banda inusitada (não falei que o tal Tiago é multi? Olha ele aí de novo, agora no baixo acompanhando Sachão, junto com Marrom, Paulo e João Jr.), e sua poesia recortada com esquadro e compasso, soltou o fio de voz, contagiou, declamou, atendeu pedidos da platéia, fez o que quis com os sentidos da gente. E nós – Akira, eu, Jocélio, Claudinho, Éder – de novo, convocados, fomos todos lá, no mesmo caldeirão!
Gildo, a quarta atração, é outra coisa, vetor oposto (e complemento) da calmaria sachiana. Com uma banda enxuta (seu filho, Gilvan Passos, na bateria, um guitarman onde falar de competência é pouco e um baixo sincopado e seguro), apresentou-nos a old school do bom e maduro (velho não!) rock´n´roll. Deixou-nos extasiados, extasiados, siderados, com sua porrada musical, forte e impactante.
Pra atenuar as forças roqueiras adrenalínicas que reinavam absolutas, nesse momento, lá fomos nós baixar a poeira. Lígia (ave canora), Éder (músico de competência inquestionável), Akira (aqui, elogio é redundância), e eu relembramos a poesia sempre necessária de Severino do Ramo (nosso poeta maior que agora voa em outros planos). Cláudio Gomes já tinha rendido essas loas ao mestre Severino, no set anterior, com muito mais competência que esse escrevinhador.
Por fim, a noite já debruçava sobre os matizes da tarde quando, atacando de Quem é Que Não Quer Ser Feliz, Edvaldo Santana e banda (Luiz Waack, guitarra e vocais; Ricardo Garcia, percussão; Reinaldo Chulapa, baixo e vocais; e Leandro Pacagnella, bateria), trazendo a tiracolo o violão e a voz inconfundíveis, fechou a noite da participação do Movimento Popular de Arte na Virada Cultural de forma inspirada, competente e avassaladora. Antes, Gilberto Braz, Claudinho Gomes, Akira e este aqui, ó, fizemos as honras da casa, estendemos um tapete poético para Edvaldo entrar e imperar.
Em retribuição, no fim de um espetáculo para se guardar na memória do lado esquerdo do peito, o cara que começou tudo lá em S. Miguel – via grupos Caaxió e o Matéria Prima, ainda na década de 1970 – chamou todo mundo pro palco (destaque para o sax de Éder Lima), para encerrar com a singela canção Luana de Maio. A apoteose caminhava para a sexta hora.
Dali, para o bar. Pois o domingo foi de fatura lírica e líquida, musical e certa.