A MOÇA E A EXPECTATIVA
Então ela criou expectativa. E fez da expectativa ansiedade. E a ansiedade roeu suas unhas e puxou seus cabelos. Ligou a TV, levantou, tomou água, abriu a geladeira, acendeu um cigarro, mais outro, voltou para o quarto.
Visualizou? Expectativa é uma das piores coisas da vida. De vez em quando alguém vira para você, depois de contar uma notícia que te afetará diretamente, e fala: “Mas não crie expectativa, ok?” Para que contou? É óbvio que desde a primeira palavra da frase que deu a notícia a expectativa foi criada. Aliás, ninguém “cria” expectativa. Expectativa tem vida própria. Assim mesmo: autossuficiente. Nasce, cresce e morre frustrada.
Mas voltemos à moça, coitadinha: sofredora. Cheia de expectativa porque um ser humano desalmado lhe deu – no caso – uma boa notícia. A expectativa foi implacável e por mais que o aviso luminoso piscasse em sua mente: “Não crie expectativa. Não crie expectativa. Não crie expectativa…” Lá estava ela: bem nutrida e corada.
No fundo, o portador da boa ou má nova sabe exatamente o efeito que causará em seu alvo. O que ele realmente deseja é se livrar, transferir a própria expectativa. Liberto, passa a ter o controle da situação e a orquestrar os acontecimentos seguintes. Mais ou menos assim: eu te conto parcialmente, porque nem eu mesmo sei direito o que vai acontecer, gero em você uma esperança desnecessária, mas fico feliz em te ver agonizando por uma possibilidade pouco provável, porque o meu prazer é ter você em minhas mãos.
Porém, para todo veneno há um antídoto e para a expectativa a consciência. O otimismo objetivo. Apesar de autossuficiente, a expectativa se alimenta de falsas esperanças, que variarão de intensidade de acordo com o sistema imunológico da pessoa infectada.
E a moça? A moça era jovem. Ainda se deixava iludir. Prato cheio para uma expectativa habilidosa. Naquela noite ela se consumiu em divagações: tudo o que poderia ser, beijos que poderia dar… Debulhou-se em meio a comédias românticas e dramas até o primeiro raio do novo dia. Escondeu as olheiras, vestiu seu melhor vestido e foi trabalhar. Mais tarde a desilusão levou a expectativa. Bom. Acabou o sofrimento. E assim seria por mais alguns anos. Expectativas, ansiedades, frustrações. Mas a moça era forte. Sobreviveria. Dali a alguns anos seria consciente.