AMOR ANIMAL

Polyanna, a gata sapeca, surgiu embaixo da mesa e com olhar de invernia brinca com os fios soltos do meu roupão, escondida entre a mesa e a toalha, só uma patinha a me tocar. E mia sua linguagem, como ocorre, às vezes, com a de duas patinhas. Sabem como tocar, coisas de gatas manhosas... E tu sabes também? A minha, direta: os dedos no teclado, e agora – prazerosos – no pelo das duas gatinhas que me acariciam. Uma és tu e teus meneios de entrega à poética e ao ato sincopado de amar o nada. Agora, a gatinha palpável sentou-se, dengosa, e me aquece o ventre. E se encolhe como dificilmente ocorreria com a de duas patinhas. Normal seria que esta se esticasse mais e mais – hirta – na tensão dos músculos, relaxando depois, no esvair-se ao nada. Agora, doidinha em suas peraltices, arranha e amassa o robe, parece-me que busca a teta de sua mamãe-gata e não satisfeita, morde o meu colo sem nenhuma cerimônia, ainda bem que no absoluto vazio de corpo, em meio à ausência de motivação material devido aos efeitos da invernia. Colo o nariz na vidraça para poder olhar melhor o sol tímido, que se faz memória. De repente, sinto uns dedos quentes que seguram a minha mão. Pobre de mim! Como se não bastasse a ausência que me levara à janela, agora são duas gatinhas a mostrarem que o frio da invernia sugere um momento só nosso. Sinto uma picada quente no pescoço, uma ardência toma conta daquela região. Uma pulga me coça, talvez extenuada, desejosa, com ágil fome de sangue para se manter viva. E a sensação desce num átimo mais abaixo. O restante é somente o corpo lasso. E os olhos nem mais conseguem ver o sol pela vidraça.

– Do livro POESIA DE ALCOVA, 2013/15.

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