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ABUSÕES DE GENTE ANTIGA

 
      O pessoal d’antanho, a gente do interior, cultivava muitas abusões, algumas bastante curiosas. Não explicava nem justificava, mas tinha sempre uma para bater com a língua nos dentes.
 
      Uma dessas superstições foi um prato cheio na boca de minha mãe. Enfaticamente, e com insistência, ela nos dizia: “– Compadres que namoram seguem retinhos para o inferno. É tiro e queda”.
 
      Eu ouvia o vaticínio, ficava boboca de admirado e não entendia a coisa. Às vezes, com o zum-zum da mosca no ouvido, rematava de mim para mim, sem nenhum raciocínio: “– Besteira de gente que vai envelhecendo”.
 
        Levei foi tempão para descobrir a maranha.
 
     Mas, como criança também fica taluda, mordida pela serpe da desconfiança, um dia, lá num bem depois, sem nada interrogar à minha mãe, achei que era plenamente justificável aquela abusão que se repetia sempre.
 
      Meu pai tinha apenas um punhado de moradores e, só com alguma exceção, um casal do sítio não era parte do tradicional rebanho do compadrio. Eram compadres que não acabavam mais, até vinham de outros sítios da parentalha, para tomar o casal do Camará como seu compadre.
 
      Uma ou outra das comadres do Camará era passável, lustrosa e vistosa, e de pernas bem fornidas. A Maria Duarte, a Elisa e a Elvira que o dissessem. Tinham carnes e seios que eram de todo bonitos e apreciáveis.
 
      Nem falo de Dona Raimunda, que esta virara um caco de pessoa, vinda com o filho menor, o De Assis, a puxarem uma cachorrinha, parece que das águas potiguares. Ou, salvo escorregão de memória, não seria lá da Paraíba? Só sei que chegaram e tomaram rancho, na casa velha de fazer farinha.
 
      De uma agregada somente minha mãe parecia não demonstrar cuidados. Era da Dos Anjos, cabocla séria e com modos de fêmea direita, que tinha por companheiro cabra que fora do bando de Lampião. Se peta tenha sido, coisa lá dele. Assim o gajo se dizia: cabra do Virgolino, em carne e osso.
 
      Lá no fundo do inconsciente, a patroa do Camará talvez desconfiasse que meu pai tivesse certo respeito ao grandalhão potiguar, com dois metros de comprimento, o qual andara metido com o cangaço, aí pelo Nordeste.
 
      De fato, pelo tamanhão do sujeito, de dentes de meio palmo e altura descomunal, Seu Canguru não era bicho para qualquer um botar a mão no fogo por ele. Manso, sempre de risinho nos beiços, quem sabe de quantos macacos do governo ele não dera cabo.
 
      Não vou, aqui, dissertar sobre um rol de abusões, essas crendices populares que o povo é mestre em espalhar. Quem quiser conhecer outras, que vá ao mestre Câmara Cascudo, por sinal também potiguar, que nem o Seu Canguru.
 
      Dar de testa com gato preto, em noite de lua-cheia, vestir roupa pelo avesso, passar por debaixo de escada ou pau de porteira e mais de mil tafularias assim, tudo isto nem me apetece.
 
      Só quis relembrar que minha mãe era sutil e tinha faro nas ventas. Ô mulher sutil nas artes de zelar pelas suas propriedades, mesmo assim nem tão privadas, que ninguém é dono de seu ninguém.
 
Fort., 21/05/2013.
Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 21/05/2013
Reeditado em 21/05/2013
Código do texto: T4301411
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