O mendigo
Seu nome ninguém sabia, mas o que era certo é que a cada anoitecer, lá estava ele outra vez. Naquela praça, sentado sempre no mesmo banco, aquele homem aparentando em torno dos sessenta anos, ali ficava enconchado dentro do seu mundo. Vez em quando revolvia um saco plástico, tirando dali algumas migalhas de pão. Os transeuntes que pela praça passavam, nem o percebiam, como se ele invisível fosse. Ao seu redor, a beleza e o colorido das flores, o verde do gramado e das folhagens em harmonia perfeita com os caminhos que conduziam a todas as direções, contrastavam com a figura maltrapilha do coitado que ali se encontrava. A grama, por sinal sempre muito bem aparada, dava a impressão de que era cortada a cada semana. Aquela praça era perfeita, era o cartão postal da cidade. Sem o mendigo, óbvio. O indigente, normalmente logo cedo ali já não mais se encontrava, imagino perambulando por lá sabe-se onde!
Passaram-se dias, passou a primavera, veio o outono, folhas e mais folhas, seguidamente sendo recolhidas do chão. A cada final do dia, lá chega o andarilho outra vez, ao sentar no banco para descansar, o faz de forma silenciosa, cabisbaixo. Em baixo do braço, um pedaço de papelão e alguns trapos, que larga ao lado do banco. Alguma boa alma com certeza, deu-lhe o cobertor que também consigo traz. Depois de alguns minutos, levanta e desenrola o papelão, ajeita os seus trapos e vai preparando o seu "travesseiro" , a sua "cama", para ali em cima dormir. A noite avança e quem por ali passar, vai ver o mendigo todo encolhido, enrolado dentro daquele velho cobertor. Será que ele consegue conciliar o sono, consegue dormir? Esta é uma visão que parece concentrar toda a miséria do mundo.
Passou-se mais um ano, o mendigo já não mais dorme no banco da praça, recolheram-no, mas ele acabou voltando para as ruas. Atualmente, a sua parada para dormir, fica logo adiante da praça, numa rua transversal. Durante o verão, no final da tarde quando chega, apesar do adiantado da hora, consegue ver crianças brincando e se divertindo na praça. Formam elas cenas de alegria, pureza e felicidade.
Talvez a presença das crianças ali perto, fizesse com que ele se sentisse menos excluído. Apaziguava o seu coração, quem sabe...
Num dia qualquer durante o inverno, mais uma vez um véu negro começa a encobrir o céu, é a noite que avança de mansinho. Durante a madrugada, apesar do frio intenso, o mendigo continua ali. Na manhã seguinte, bem cedo passa o jornaleiro, e passa o vigilante e passam por ali muitas pessoas, mas ninguém no mendigo repara, é como se ele não existisse. Até que lá por volta das dez horas da manhã, uma senhora que perto dali passa, constata que ele não se mexe. Assusta-se com a cena, o que a leva a ligar para uma ambulância que vem em seguida. Dali de dentro saem dois homens de branco, que ali mesmo constatam a sua morte. Mesmo assim, ele é posto em cima duma maca e colocado dentro da ambulância que rapidamente dali sai.
Ali perto aglomeram-se pessoas que a tudo assistiram impassíveis. O pobre coitado morreu, diz um deles para um outro curioso que acaba de chegar. Morreu de frio, congelado!
Passam-se os dias, e mais outra primavera mostra a que veio. A praça principal da cidade continua linda, flores de todas as cores e matizes. Do mendigo da praça ninguém mais lembra. Lá no cemitério, a sua sepultura, uma cova rasa sem nenhuma flor, nem uma pétala sequer.