As aparências e os enganos
Uma corda jogada ao chão numa noite enluarada. Parece uma cobra. É uma cobra, meu coração se sobressalta. Estaco, e mantenho distância segura. Paralisado pelo medo, a adrenalina acelera o meu coração. Mais um pouco de stress e posso ter um infarto do miocárdio. Até que lembro que aquilo é uma corda que eu mesmo deixei jogada no chão.
Eis aí um belo exemplo de como as aparências podem enganar, sendo a historinha retirada de Buda para ilustrar a modo como a interpretação da realidade depende da nossa mente moldada por preconceitos.
Mas, cá entre nós, nossos preconceitos e expectativas sobre os acontecimentos vindouros são fortemente elaborados pela experiência prévia. Então, ao sair, por exemplo, pelas ruas da cidade é quase impossível não se sentir um pouquinho de medo, pela violência que impera nas ruas. Eu, pessoalmente, nunca a sofri, mas do jeito como os fatos vêm se sucedendo, é uma questão de tempo até que eu venha a ser mais um número numa lista de ocorrências. Como o ditado ensina, tantas vezes foi o pote à fonte que um dia, fatalmente ele cairá e se partirá.
Há cobras escondidas em cada esquina e temos que andar com todo o cuidado para passar numa distância segura, fora do alcance do seu bote venenoso. Hás bandos de animais selvagens, carnívoros, predadores diurnos e noturnos, caçando coordenadamente os pacatos herbívoros que somos nós, que nos limitamos a ruminar os nossos medos entredentes.
Lembrei-me, também, das palavras dos zen-budistas. Passei a caminhar com uma postura perfeita, como um soberbo leão, tão majestoso que delinqüente nenhum teria coragem de se meter comigo. É isso, você tem que andar firme, com o corpo ereto e o olhar sem desvio para frente, como se fosse uma montanha distante encimada pela neve milenar. Nada de caminhar com o passo relaxado, curvado, com as mãos no bolso, assobiando e cuspindo no chão. Nada de conversas no meio da rua. Teu passo tem que ser decidido, o corpo com uma forma perfeita, sem estar muito rígido como um militar, mantendo um certo relaxamento, dando a impressão de que podes, a qualquer momento num movimento elástico revidar um ataque. Caminhar como um samurai. Foi o que fiz pela avenida Copacabana, sentindo-me um dos sete samurais.
Até que ouvi um som: fiu-fiu, alguém assobiou.
Olhei pro lado e um patife piscou o olho pra mim. Caramba, vai procurar tua turma, ô palhaço!
Pois é, há corda que se parece com cobra. Parece, mas não é. Continuei andando e reassumi a minha postura de andar de leão. Imaginei como seria fácil desferir um potente cruzado de direita no primeiro engraçadinho que se meter comigo.