A fabulosa história de um homem comum.
Ele, um homem comum, e comum porque não tem lá nada de muito especial nem de revolucionário em sua biografia, saiu de casa num dia de chuva numa grande cidade. Não bastava um mero guarda-chuva. Era preciso todo um aparato de segurança e cuidados sérios para se por os pés para fora de casa. Porém, para evitar um pânico iminente, as autoridades do Estado, que são pagas para proteger e avisar este cidadão, não fizeram o seu trabalho e ele carregou aquele pequeno guarda chuva que só não deixou o seu cocuruto, como chamam a parte de cima da cabeça lá no interior por onde andei, seco.
Ele, então, passou por avenidas fluviais (e não mais avenidas de fluxo viário), canais transbordados, animais da fauna marinha e jacarés passeando, deslizamento nas encostas, caos no trânsito e tudo que ele tem direito. Gritou: Valha-me Deus! Ele era religioso. Mas nem adianta muito. Pessoas já estavam com água na cintura e carros completamente parados nas avenidas. Enquanto isso, em algum lugar do Brasil, prefeito e governador passeiam e tecem as teias políticas de 2014. O ano que vem não é só ano de Copa do Mundo no Brasil, coisa que por si só já aliena ao extremo o brasileiro, mas é ano de eleição, coisa que interessa bem menos ao brasileiro, mas que é obrigado a fazer a cada dois anos.
Voltando ao intrépido homem da história, ele ficou perplexo com um tanto de imposto que paga e contas altas de todos os lados além de uma tal de "taxa dos bombeiros". E mais triste porque quanto mais paga menos vê de solução. Basta dizer que este comum catou umas moedas sobreviventes no bolso e procurou um bar para beber. Mas que bar? Todos estavam alagados e com as cadeiras sobre a mesa. Nem beber! Valha-me Deus! (Sim, ele adora esta expressão). O cidadão, que nem sabe mesmo o que quer dizer ser "cidadão", se arretou e foi tentar procurar uma autoridade. Fora o prefeito e o governador desaparecidos, quem procurar? Microfones e canetas de jornal já faziam isto e nada. A coisa estava feia! Sem contar que a bandidagem querendo ganhar o seu ganha-pão foi para a cidade fazer arrastão embaixo d'água. É sempre interessante observar a criatividade criminosa no Brasil. De colarinho ou sem colarinho, estes são de um avanço tecnológico que se a Educação e a Saúde tivessem, nós seríamos um país de primeiríssimo mundo.
O homem, então, resolveu voltar para casa. Não tinha trabalho. Não tinha bebida. Não tinha com quem se indignar. Não tem água na torneira, somente no chão invadindo a casa. Não tem sossego, pois tem um vizinho sem muro de arrimo na parte de cima. Não tem nada. Nem tem dinheiro para alugar um barco para poder pelo menos fazer um passeio pelo rio barrento que serpenteia a cidade. Resignou-se. Ligou a televisão e ficou assistindo ao tamanho do estrago. Foi feio. Mas logo depois viu a seca lá no sertão e gente passando necessidade sem uma gota d'água. Pensou com seus botões não acostumados a pensar qual era razão de tamanha desigualdade da natureza. Chegou a uma conclusão digna de Arquimedes: A vida imita a natureza. Se tem desigualdade na natureza, uns lugares com tanta água outros lugares sem nada, então a desigualdade social tem justificativa natural. Ele não é bom com condicional de lógica, mas é pertinente e coerente como um homem comum.
Resolveu escrever uma carta cujo remetente seria o Estado Brasileiro. Teve um pouco de dificuldade de encontrar um endereço cabível e aí começou a epístola assim: Você, estado brasileiro, não está vendo tudo isso não? Após esta frase vieram outras indignadas, mal escritas, outras peroladas de algum estilo irônico, mas no fim a frase final refletia o desânimo e pessimismo de um cidadão comum. E quando o cidadão comum é pessimista, as coisas vão bem mal. Ele dizia: "Mas como eu sei que as coisas não são boas quando nós somos o grupo interessado eu até me desculpo pelo meu atrevimento, mas quereria deixar bem claro - aprendi a conjugar esse verbo só pra escrever ele aqui - que somos nós que fazemos você. Então vê se te orienta e faz as coisas bem feita, porque amanhã quero ir trabalhar para sustentar a minha família com as migalhas que você dá. Tchau."
Eu bem queria ver mais desse homem comum por aí.