DO LADO DE FORA DO RELÓGIO
Acordei sobressaltado: havia perdido a hora. Olhei de relance para o relógio da mesa de cabeceira e pulei da cama. Tomei um banho apressado e, quando fui colocar meu relógio no pulso, notei que não estava funcionando. Droga. Coloquei-o no bolso para levá-lo, quando tivesse tempo, ao relojoeiro. Na cozinha, olhando rapidamente para o relógio da parede, percebi que não teria tempo para o desjejum. Já no carro, no percurso entre Brumadinho e Ibirité, empreendendo toda a velocidade que a prudência e a sensatez permitiam, conferia, de minuto em minuto, o relógio, no painel. Num determinado momento, entretanto, constatei que já não havia nada a fazer: tinha perdido o compromisso.
Olhei para o lado e vi a Lagoa da Petrobrás. Uma paisagem serena, sossegada, bonita. O brilho dos primeiros raios do sol refletindo nas águas, o verde ao redor, os pássaros... Abri o vidro do carro e senti a brisa fresca da manhã. Reduzi a velocidade, entrei por um caminho que se ofereceu à minha frente. Parei.
=#=
Incrível. Havia anos e anos que passava todos os dias, duas vezes ao dia, naquele lugar, e nunca percebera tamanha beleza, tamanha paz. Sintonizei o rádio do automóvel. Tirei da estação de notícias, passei para uma emissora de músicas. Aumentei o volume. Saí do carro. Na relva baixa que cobria o solo, percebi um objeto que brilhava e, aproximando-me, percebi ser um relógio. Um relógio de bolso, prateado, aberto ao tempo. Aberto ao tempo, pensei. E vem uma borboleta, e pousa sobre o relógio. Fiquei sem saber se o tempo é o relógio parado no chão... Se é a borboleta... Se sou eu parado olhando os dois.
=#=
Fiquei ali pensando: quando paramos muito para olhar as horas, é sinal de que a vida anda atribulada, os afazeres andam sobrando, o tempo anda faltando...
Quando nos preocupamos muito com o relógio, é porque o tempo urge, as tarefas, as metas, as obrigações não podem esperar. Então fica aquela sensação de que estamos sempre correndo, sempre com pressa, sempre atrasados: o mundo parece ser um imenso relógio, que nos dita o ritmo, que nos dirige a vida. Parece que os homens estão todos encarcerados dentro desse descomunal relógio-mundo, pendurados nos ponteiros que giram celeremente, presos dentro do mostrador, agarrados nos números, prensados nas engrenagens.
Às vezes é necessário que ocorra algum fato inesperado, alguma surpresa, para cairmos na realidade e vermos que o mundo não está dentro do relógio.
É preciso saltar para fora da roda gigante, e parar para ver que podemos criar o nosso tempo. Temos, sim, os controles da máquina do tempo.
Aquele relógio, no meio do mato... Não. Não foi de alguém que perdeu o relógio. Foi de alguém que encontrou o tempo. Sabe o que fiz? Peguei no bolso meu velho relógio, joguei-o no mato, o mais longue que permitiram as forças do meu braço. Tirei os sapatos, abri a camisa, fiquei ali ouvindo música, sentindo a natureza. Quer saber por quanto tempo? Por todo o tempo que existiu naqueles instantes: todo o tempo do mundo. Depois voltei para casa, fui ler, escrever, esquecer.
=#=
Sabe, acho que tempo é a borboleta, é a relva, é a brisa fresca da manhã. É também trabalho. Mas é prazer, é lazer, é viver. O resto... bem... quem corre é o resto, não é o tempo. Quem corre somos nós. O tempo, veja só, está aí, à nossa disposição. A partir daquele dia, passei a ter uma certeza: a vida, meu amigo, está do lado de fora do relógio.
Acordei sobressaltado: havia perdido a hora. Olhei de relance para o relógio da mesa de cabeceira e pulei da cama. Tomei um banho apressado e, quando fui colocar meu relógio no pulso, notei que não estava funcionando. Droga. Coloquei-o no bolso para levá-lo, quando tivesse tempo, ao relojoeiro. Na cozinha, olhando rapidamente para o relógio da parede, percebi que não teria tempo para o desjejum. Já no carro, no percurso entre Brumadinho e Ibirité, empreendendo toda a velocidade que a prudência e a sensatez permitiam, conferia, de minuto em minuto, o relógio, no painel. Num determinado momento, entretanto, constatei que já não havia nada a fazer: tinha perdido o compromisso.
Olhei para o lado e vi a Lagoa da Petrobrás. Uma paisagem serena, sossegada, bonita. O brilho dos primeiros raios do sol refletindo nas águas, o verde ao redor, os pássaros... Abri o vidro do carro e senti a brisa fresca da manhã. Reduzi a velocidade, entrei por um caminho que se ofereceu à minha frente. Parei.
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Incrível. Havia anos e anos que passava todos os dias, duas vezes ao dia, naquele lugar, e nunca percebera tamanha beleza, tamanha paz. Sintonizei o rádio do automóvel. Tirei da estação de notícias, passei para uma emissora de músicas. Aumentei o volume. Saí do carro. Na relva baixa que cobria o solo, percebi um objeto que brilhava e, aproximando-me, percebi ser um relógio. Um relógio de bolso, prateado, aberto ao tempo. Aberto ao tempo, pensei. E vem uma borboleta, e pousa sobre o relógio. Fiquei sem saber se o tempo é o relógio parado no chão... Se é a borboleta... Se sou eu parado olhando os dois.
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Fiquei ali pensando: quando paramos muito para olhar as horas, é sinal de que a vida anda atribulada, os afazeres andam sobrando, o tempo anda faltando...
Quando nos preocupamos muito com o relógio, é porque o tempo urge, as tarefas, as metas, as obrigações não podem esperar. Então fica aquela sensação de que estamos sempre correndo, sempre com pressa, sempre atrasados: o mundo parece ser um imenso relógio, que nos dita o ritmo, que nos dirige a vida. Parece que os homens estão todos encarcerados dentro desse descomunal relógio-mundo, pendurados nos ponteiros que giram celeremente, presos dentro do mostrador, agarrados nos números, prensados nas engrenagens.
Às vezes é necessário que ocorra algum fato inesperado, alguma surpresa, para cairmos na realidade e vermos que o mundo não está dentro do relógio.
É preciso saltar para fora da roda gigante, e parar para ver que podemos criar o nosso tempo. Temos, sim, os controles da máquina do tempo.
Aquele relógio, no meio do mato... Não. Não foi de alguém que perdeu o relógio. Foi de alguém que encontrou o tempo. Sabe o que fiz? Peguei no bolso meu velho relógio, joguei-o no mato, o mais longue que permitiram as forças do meu braço. Tirei os sapatos, abri a camisa, fiquei ali ouvindo música, sentindo a natureza. Quer saber por quanto tempo? Por todo o tempo que existiu naqueles instantes: todo o tempo do mundo. Depois voltei para casa, fui ler, escrever, esquecer.
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Sabe, acho que tempo é a borboleta, é a relva, é a brisa fresca da manhã. É também trabalho. Mas é prazer, é lazer, é viver. O resto... bem... quem corre é o resto, não é o tempo. Quem corre somos nós. O tempo, veja só, está aí, à nossa disposição. A partir daquele dia, passei a ter uma certeza: a vida, meu amigo, está do lado de fora do relógio.