Crônica publicada no jornal “O Norte”, Montes Claros-MG, 6 de abril de 2011.
O louco da loucura mais suprema
Na grandiosa tela, belas bailarinas se equilibram na ponta de suas sapatilhas. Ao som de Tchaikovski, pas de chat, pas de cheval e muitos outros passos. Um novo movimento poderia ser acrescido, pas de swan, já que no palco tantos cisnes bailavam. E uma bela mulher, noiva da agonia, é obrigada a conviver com seu lado branco e seu lado negro, carnal e místico. Seu corpo passa a sentir desejos espirituais e sua alma, carnais. No seu transtorno psicológico, já não há real nem surreal. E na alegria sinta-se tristeza. A antítese do Eu e do Outro.
Nas poltronas acolchoadas, sentam-se dois casais. A suavidade artística das imagens e a explosão amorosa pela perfeição preencheram os olhares femininos. Mas os olhos do poeta-músico centravam-se na música misteriosa, na música da morte; enquanto que os olhares do poeta-psicólogo convergiam para os cabelos, olhos, boca, seios, mãos, pés, corpo.
A hipnose é quase coletiva. Ébrios e cegos. E o transe ultrapassa qualquer divã. O martelo no ouvido movimenta em demi-pliè. As pipocas saltam em petit jeté. E o cristalino se torna turvo. A lubricidade explode, como se estivesse presa por eras, acumulando os sentimentos carnais até não mais aguentar. E tudo cai num crepúsculo, num limiar entre a clareza do dia e escuridão da noite. Começa, então, a puxar tudo para cima, e o corpo se alinha em placement e já se vislumbra algo transcendente. O sensual convida a uma entrega recolta de estrelas. As asas negras sobrepõem às brancas. É a vitória da sombra. É a vitória do outro.
O poeta-músico se levanta da poltrona com todos os sons en croix na sua mente. E as formas alvas, brancas, claras, cristalinas tornam-se negras, pretas, escuras, opacas. O poeta-psicólogo se ergue e, na sua mente, sublimação, identificação, projeção, acting-out. Nem tudo Freud explica. Conversam sobre o espetáculo no hall. Cada qual com sua garota mergulham em mares distintos.
Numa mesa de bar, junto com sua sereia, o poeta-psicólogo tentava fazer a digestão da história vista. A perturbação era nítida, precisava ligar para o amigo poeta-músico. Com seu ouvido aguçado, poderia ter escutado algo que elucidasse o conflito entre as instâncias da personalidade, ego, id, superego. O poeta-músico estava com sua pedra preciosa precipitando palavras por todos os poros, mergulhado em sua áurea simbólica e mística numa praça.
O telefone toca à meia noite. O poeta-psicólogo convida o amigo para se juntar a suas reflexões regradas a gato negro. Mas o amigo não aceita o convite, afinal já era muito tarde e já estava dormindo. O poeta-psicólogo não compreende como o amigo já estava em sua casa e já dormindo tão rapidamente. O amigo não estava entendo nada, deitara-se para descansar às oito da noite, estava fatigado, passou o dia todo negociando imóveis. O poeta-psicólogo não prolongou a conversa e percebeu que havia ligado para o amigo errado. Mas a voz era tão parecida. Não, esse não era o poeta-músico. Afinal, corretor de imóveis não era uma profissão paralela do amigo, não que ele soubesse. Disca novamente, tendo o cuidado de digitar o número correto. E o mesmo amigo atende.
O poeta-psicólogo conferiu por algumas vezes o número. Era o número do poeta-músico. Nesse ponto, concluiu que o poeta-músico não assistiu ao filme. Não se encontraram. Tudo era sua imaginação. Mas sua garota também viu o poeta-músico no cinema. Um delírio coletivo. Fazia, realmente, muito tempo que eles não se viam, o poeta-músico poderia ter assumido a direção de alguma imobiliária. O filme não fez bem para sua digestão.
Numa praça, o poeta-músico conversa ao telefone com o amigo poeta-psicólogo. Aceita o convite e se dirige com sua garota ao bar indicado. Demora cerca de treze minutos para chegar ao local. Olha, ouve, mas não vê nem escuta o poeta-psicólogo. Retira o telefone do bolso e confere a ligação. Realmente recebeu a ligação do amigo. Olha para sua garota, desconfiado de que estivesse louco, mas ela também ouviu a conversa. Um delírio coletivo. Ele não conversara com o poeta-psicólogo. Mas a voz era tão parecida. Talvez fora o outro, outro amigo que lhe ligara.
O poeta-psicólogo chega a sua casa e abre um livro simbolista. O poeta-músico, já no seu quarto, abre os Últimos sonetos do Cisne Negro. E juntos leem: “Tu és o louco da imortal loucura,/ O louco da loucura mais suprema./ A terra é sempre a tua negra algema/ Prende-te nela a extrema desventura. [...] Tu és o Poeta, o grande Assinalado/ Que povoas o mundo despovoado,/ De belezas eternas, pouco a pouco/ [...] Os teus espasmos imortais de louco!”
Nas poltronas acolchoadas, sentam-se dois casais. A suavidade artística das imagens e a explosão amorosa pela perfeição preencheram os olhares femininos. Mas os olhos do poeta-músico centravam-se na música misteriosa, na música da morte; enquanto que os olhares do poeta-psicólogo convergiam para os cabelos, olhos, boca, seios, mãos, pés, corpo.
A hipnose é quase coletiva. Ébrios e cegos. E o transe ultrapassa qualquer divã. O martelo no ouvido movimenta em demi-pliè. As pipocas saltam em petit jeté. E o cristalino se torna turvo. A lubricidade explode, como se estivesse presa por eras, acumulando os sentimentos carnais até não mais aguentar. E tudo cai num crepúsculo, num limiar entre a clareza do dia e escuridão da noite. Começa, então, a puxar tudo para cima, e o corpo se alinha em placement e já se vislumbra algo transcendente. O sensual convida a uma entrega recolta de estrelas. As asas negras sobrepõem às brancas. É a vitória da sombra. É a vitória do outro.
O poeta-músico se levanta da poltrona com todos os sons en croix na sua mente. E as formas alvas, brancas, claras, cristalinas tornam-se negras, pretas, escuras, opacas. O poeta-psicólogo se ergue e, na sua mente, sublimação, identificação, projeção, acting-out. Nem tudo Freud explica. Conversam sobre o espetáculo no hall. Cada qual com sua garota mergulham em mares distintos.
Numa mesa de bar, junto com sua sereia, o poeta-psicólogo tentava fazer a digestão da história vista. A perturbação era nítida, precisava ligar para o amigo poeta-músico. Com seu ouvido aguçado, poderia ter escutado algo que elucidasse o conflito entre as instâncias da personalidade, ego, id, superego. O poeta-músico estava com sua pedra preciosa precipitando palavras por todos os poros, mergulhado em sua áurea simbólica e mística numa praça.
O telefone toca à meia noite. O poeta-psicólogo convida o amigo para se juntar a suas reflexões regradas a gato negro. Mas o amigo não aceita o convite, afinal já era muito tarde e já estava dormindo. O poeta-psicólogo não compreende como o amigo já estava em sua casa e já dormindo tão rapidamente. O amigo não estava entendo nada, deitara-se para descansar às oito da noite, estava fatigado, passou o dia todo negociando imóveis. O poeta-psicólogo não prolongou a conversa e percebeu que havia ligado para o amigo errado. Mas a voz era tão parecida. Não, esse não era o poeta-músico. Afinal, corretor de imóveis não era uma profissão paralela do amigo, não que ele soubesse. Disca novamente, tendo o cuidado de digitar o número correto. E o mesmo amigo atende.
O poeta-psicólogo conferiu por algumas vezes o número. Era o número do poeta-músico. Nesse ponto, concluiu que o poeta-músico não assistiu ao filme. Não se encontraram. Tudo era sua imaginação. Mas sua garota também viu o poeta-músico no cinema. Um delírio coletivo. Fazia, realmente, muito tempo que eles não se viam, o poeta-músico poderia ter assumido a direção de alguma imobiliária. O filme não fez bem para sua digestão.
Numa praça, o poeta-músico conversa ao telefone com o amigo poeta-psicólogo. Aceita o convite e se dirige com sua garota ao bar indicado. Demora cerca de treze minutos para chegar ao local. Olha, ouve, mas não vê nem escuta o poeta-psicólogo. Retira o telefone do bolso e confere a ligação. Realmente recebeu a ligação do amigo. Olha para sua garota, desconfiado de que estivesse louco, mas ela também ouviu a conversa. Um delírio coletivo. Ele não conversara com o poeta-psicólogo. Mas a voz era tão parecida. Talvez fora o outro, outro amigo que lhe ligara.
O poeta-psicólogo chega a sua casa e abre um livro simbolista. O poeta-músico, já no seu quarto, abre os Últimos sonetos do Cisne Negro. E juntos leem: “Tu és o louco da imortal loucura,/ O louco da loucura mais suprema./ A terra é sempre a tua negra algema/ Prende-te nela a extrema desventura. [...] Tu és o Poeta, o grande Assinalado/ Que povoas o mundo despovoado,/ De belezas eternas, pouco a pouco/ [...] Os teus espasmos imortais de louco!”