JUSTIÇA GRATUITA=A PRIMEIRA CAUSA...(INTERDIÇÃO).
Um dos santuários que circundam a Justiça brasileira e em especial a paulista é o Centro Acadêmico “XI de Agosto”, sito à praça João Mendes, bem no centro da cidade de São Paulo. Lá estudantes prestes a se formar na São Francisco já exercem as primeiras caminhadas na difícil tarefa da advocacia. Lá a JUSTIÇA GRATUITA é a única regra. O estudante da São Francisco ainda paga para lá permanecer alguns meses- na aprendizagem- e depois alçar vôo para a via da Justiça e do Direito. Isso também fiz no final da década de 60 e hoje me orgulho de ter realizado alguma coisa aos necessitados de Justiça.Os chamados carentes! Como é gratificante ajudar o próximo, ainda mais quando está bem próximo. Ademais todo universitário- em qualquer nível- deveria entender que é um “privilegiado” numa sociedade que direta ou indiretamente colabora ou colaborou para essa formação, por todos os ângulos da realidade brasileira.Universitário é privilégio...sempre tem débito com os pobres...
Lembro-me que a primeira causa que tive no imenso salão cheio de alunos e necessitados, mesas e cadeiras enfileiradas, antes de rigoroso sorteio na ante-sala pelo encarregado-(chefe), para evitar privilégios e /ou escolhas indevidas(de causas),pelos alunos-estagiários, recebi,por sorteio, uma moça que disse entre lágrimas e alguma réstia de esperança que tinha sido encaminhada ao C.A. “XI de Agosto”, por advogado que não patrocinaria a causa. Há numerosos advogados que depois de chegarem num patamar financeiro bem alto, tem horror de requerer JUSTIÇA GRATUITA, embora o Código de Ética, (quase) obrigue isso.Uma das razões é que a JUSTIÇA GRATUITA dá o mesmo trabalho e responsabilidade de causa paga pelo cliente e advogado com boa clientela,não se preocupa com isso!! Inúmeras outras são as razões invocadas por advogados em não aceitar/ patrocinar causa de gratuidade, entre elas é “horror” à pobre, para dizer o mínimo. Tratava-se,pois, de uma curatela para o pai que estava com absoluta debilidade mental, provocada- segundo ela- por ter perdido tudo na vida, bens e bens, incalculáveis.Era muito rico...A família agora estava necessitando. As razões do fato/causa nunca perguntei. Era mesmo riquíssimo e hoje a família morava de favores... Miséria pura...coisa que acontece nas melhores famílias...
Entrei com o pedido de curatela- após orientação de dois grandes advogados abnegados que auxiliavam/orientavam os alunos, ao fim de cada jornada- dúvidas e dúvidas. No sorteio/distribuição do Forum o pedido caiu na 1ª. Vara da Família, onde normalmente ficavam juizes mais velhos junto aos seus pares...
Como soe acontecer o processo foi demorado, eis que o médico perito oficial nunca tinha uma hora sequer para examinar o infeliz.Era pago pelo Estado... Finalmente, aconteceu e o laudo foi positivo,para o pedido. A pobreza e ou decadência tirou mesmo a pessoa do “ar”...
Mesmo assim, a Lei e a Justiça por absoluta cautela manda que o Juiz ouça ou converse com a pessoa a ser interditada, eis que pode ocorrer de que tudo seja uma farsa de alguém da própria família, querendo levar alguma vantagem...Curatela é coisa séria.O interditando ainda não era um da terceira idade, como se diz hoje, veio de táxi e posto na frente do Juiz- da Vara da Família...com alguma dificuldade pelos familiares! Como é de obrigação o Juiz fez três perguntas ao interditando.(1) Quem é o atual presidente da República? (2)Que dia é hoje? E,(3) o senhor sabe onde está? O homem nada respondeu ...(também nada entendeu) e babava na camisa branca, bem limpa que lhe colocaram para o solene e importante ato...Logo após isso,foi retirado de cadeiras de rodas da sala de audiência...por familiares. Por outro, o Juiz dirigindo-se a mim, disse: “o senhor fica, faz um favor”. Fiquei só aguardando o que diria o Juiz... e, disse-me com alguma melancolia a que ponto chega a "condição humana"... Estava comovido e eu que nunca havia falado com um Juiz, minhas pernas tremiam e não soube o que responder.Estava também comovido.Não conhecia o interditado! Só concordei com a cabeça,perante o magistrado já de cabelos brancos..A interdição saiu e nunca mais vi a moça,filha do “cliente”, que me pediu aquela providência... Melhor assim. Um rico perde tudo e fica insano. O aluno aceita o caso ...e fica “rico”, só de alguma experiência! Aí ganha um obrigado e recebe lição de vida e alguma “sabedoria”. Primeira causa!!Realmente nada prazerosa. O Juiz continuou seu mister, não se sabendo até quando...Certamente hoje estaria merecidamente aposentado como desembargador...Tudo isso,ocorreu pela santa gratuidade da Justiça e do Centro Acadêmico “XI de Agosto”,que jamais recusou uma causa de ex-rico e hoje,desgraçadamente pobre,nesta sociedade, que não vê limites na ambição pelas coisas e pelas gentes. Graças ao Centro Acadêmico fiquei mais consciente do mundo e seus mistérios...