Com as mãos nas panelas
Quando minha avó Inês colocava os pratos às mesas no salão do Hotel Bambu, no século passado, os hóspedes eram de uma alegria sem medidas. O almoço era marcado por um apetitoso feijão caseiro seguido de galinha caipira, que ninguém resistia a tamanhas iguarias. Ora, dizia quem provava que também havia arroz, macaxeira frita e ainda uma carne de porco assada na panela – um dos meus pratos preferidos – e um doce de goiaba para sobremesa. Defendiam-se os mais gordos que era difícil fazer uma dieta com Dona Inês com as mãos nas panelas e, comumente, argumentavam que era somente naquele dia, em que estavam hospedados ali, que cometiam o pecado da gula.
Com forte tendência a ser conhecida por seus doces e bolos, esta senhora logo após os cinquenta anos, que para os filhos ainda era a mais jovem das mães, começou a ensinar a uma neta o ofício de doceira. E ela mesma explicava às filhas que, para agradar ao marido, deveriam saber “conquistá-lo também pelo estômago”.
Entre as meninas de sua adolescência, pois casou aos quatorze anos como era comum na época, as brincadeiras de casinha eram recheadas de piqueniques sem restrição a iguarias caseiras como doce de batata-doce, doce de abóbora e doce de mamão. Na intimidade da cozinha da mãe, também se arriscou desde cedo a ajudar a fazer os cozidos de carne de gado e dava atenção especial ao prato preferido do pai que era “maria-isabel”.
Não se sabe quem em Piracuruca começou a fazer doces de casca de laranja ou doces de caju com castanha assada. O certo é que passou a ser questão de honra receber bem uma visita e servi-la com esses quitutes enquanto os homens colocavam as conversas de política em dia.
E fica registrado que por muito tempo, essa herança das cozinhas permanecerá como forma de ser do povo piracuruquense. Sendo, pois, ela quem dirá que nosso paladar conhece a fundo nossa gente e se deixa dizer de nosso passado e cultura.