O CAMINHO PARA O CEMITÉRIO
E o corpo embalsamado permanece, e irá permanecer ainda por muito tempo, na tapera!
Seu Zé estava conformado. Sua morte estava com data marcada, e pronto!
Ele amealhou durante sua vida alguns centavos a mais, mas vivia parcamente, como Deus queria, numa tapera lá no limiar da cidade. Um dia alguém, bem vestido, com uma pasta executiva na mão, chegou-se, bateu palma, e ao ouvir o chegante seu Zé grita lá de dentro:
- Pode entrar!
E, autorizado, entrou vagarosamente dizendo:
- Seu Zé, vim vender um plano funerário.
- O que, vivente? o que você ta trazendo prá mim? perguntou perplexo o franzino e mal cuidado Zé.
Vendedor que é de fato vendedor, vende geladeira no pólo norte com a mesma facilidade que um bêbado empurrado rola escada abaixo. Argumentou isto e aquilo, apresentou as facilidades de uso e...
Eu acho que este vendedor estava em treinamento, e como prova final para ser aprovado para o cargo, teria que vender um plano a um miserável qualquer. E seu Zé foi a vítima.
- Mas eu não tenho dinheiro para pagar!
- Não se preocupe, assine aqui e eu pago este auxilio funeral.
E vendeu o plano.
Agora seu Zé estava feliz protegido para uma boa morte. De tudo que o apavorava era não ter um lugar para cair morto. Agora tinha, e dos grã-finos, elegante mesmo.
O plano era lindo. Dava direito a caixão, flores, 2 carpideiras, um carro preto para levar o esquife até o cemitério e pelo menos 4 pessoas para pegar nas alças do caixão e carregar até a cova. A rua até o campo santo estaria revestido de pétalas de flores, e isto foi o que mais o encantou - A rua toda transformada num tapete de flores.
Seu Zé embora magro, grisalho, aparentava saúde, mas um dia a coisa aconteceu.
Levantou cedo, como sempre fazia, e ao se por de pé, sentiu uma dor aguda no baixo ventre.
A dor se embrenhou por entre as tripas, e seu Zé, se contorcendo todo, foi ao pronto socorro.
A espera foi longa e a dor lancinante fez com que, langoroso, caminhasse, diversas vezes, de um ponto ao outro para beber água, e voltar a sentar. Dormiu, acordou e finalmente chamaram pelo seu nome.
- O que você tem? perguntou o médico.
- Se for dinheiro, não tenho nada, ainda tentou abrandar a dor com uma gracinha, mas acabou revelando o que estava sentido no seu combalido corpo.
O médico examinou, examinou, franziu a testa, olhou com aquela cara de Maria Madalena menstruada para o Zé, e antes que ele falasse qualquer coisa o Zé interpela:
- É grave seu doutor? Vou morrer? tenho quanto tempo de vida?
Quase todo médico é um vidente, e olhando aquele esqueleto a sua frente e conhecendo a gravidade do problema disse:
- Você tem medo da morte?
- Tenho não seu dotô.
- Tem plano de saúde?
- Só tenho plano funerário.
- Tem alguém que possa cuidar do senhor?
- Tenho só meu guapeca pulguento.
O médico, pelo diagnóstico, sabia que o miserável estava com os dias contados e desamparado dos planos de saúde. Pegou carinhosamente suas mãos e olhando fixamente nos seus olhos disse lentamente:
- Aproveite fazer tudo o que quiser, pois você tem no máximo três meses de vida.
Seu Zé agradeceu e saiu da sala do médico confortado, incrivelmente feliz, como se tivesse saindo de uma Igreja, de um puteiro ou então de um boteco.
Sentiu uma vontade enorme de cantar, e começou a cantar com sua voz desafinada, mas alegre. Cantou, e cantou muito na dolência da morte. Criou coragem, e finalmente, depois de muitos anos, declarou seu amor para aquela que a vida toda foi seu amor secreto.
Gritou no portão da casa dela:
- Eu te amo!, eu te amo! mas ela não escutou porque já velha e surda.
E fez isto todos os dias durante os três meses, e ninguém o contratou como cantor e nem a velha surda veio declarar seu amor por ele. Ele não se importou com isto.
Chegou o dia e ele feliz morreu.
Lá estava o esquife parecendo um buque de flores ladeado pelas carpideiras e pelos quatro carregadores. O carro fúnebre estava a postos, mas as flores, que despejaram na rua principal que leva ao cemitério, desapareceram nas crateras desta via mal cuidada.
O cortejo teve que tomar outro rumo para desviar dos enormes buracos.
E seu Zé, mesmo morto, mostrou uma expressão de tristeza, e para espanto de todos, o espírito dele materializou-se, abriu a tampa do caixão, sentou-se, pediu para parar, desceu, subiu em cima do ataúde e disse:
- Podem me levar de volta para a minha tapera! Eu paguei um pacote completo para o funeral, e está faltando a rua do cemitério coberta de flores.
E completou:
- Quero ficar em casa até que este maldito prefeito tampe os buracos da rua que leva ao cemitério.
Dito isto o espírito desapareceu e seu Zé, de expressão aborrecida, deitou novamente no caixão.