O Sorveteiro
Todas as tardes ele passava com seu carrinho, com uma espécie de gaita de plástico em frente a minha casa.
Eu ficava observando ele caminhar lentamente, empurrando o carrinho e tocando seu apito, hora ou outra falava com a fraca e rouca voz “Olha o sorvete”.Podia-se notar um velho chapéu na cabeça, muitas rugas pelo rosto, os fios de cabelo branco que ultrapassavam o chapéu e seu corpo encurvado, devia ter mais de setenta anos, más todos os dias passava naquele mesmo horário como se tivesse um cartão para picar.
Na esquina debaixo podia-se notar uma roda de jovens, muitos diziam que eram usuários de drogas e traficantes, más nunca procurei saber o que realmente faziam.
Um dia chamei o sorveteiro e lhe perguntei, tem sorvete de manga, ele parou e disse:”Não, só tem de maracujá, limão, uva e milho verde, então pedi um de milho verde, quanto é lhe perguntei, ele disse um real.
Então resolvi puxar conversa com ele, hoje está quente o dia, ele disse : sim por isso já vendi bastante hoje, observei que o Sr. Passa todo dia por aqui, é seu ponto, ele disse: sim tenho bastante fregueses por aqui!
Então lhe perguntei a idade ele me disse tenho setenta e dois anos, e faz tempo que o Sr. Trabalha com sorvetes, ele me disse mais de vinte anos, más eu me aposentei e ganho o salário mínimo, quando eu trabalhava era chefe em uma tecelagem, tinha uma ótima casa, um bom carro uma família maravilhosa.
O Sr. É casado? Não infelizmente há dez anos fiquei viúvo, e tirou o chapéu, minha esposa, Deus a tenha no céu era a melhor mulher do mundo ninguém cuidava tão bem de mim como ela.
E o Sr. Tem filhos? tenho quatro e oito netinhos, e onde o Sr. mora? Moro em dois cômodos a três quarteirões daqui. E o Sr. paga aluguel, sim pago duzentos reais, por isso tenho que vender sorvetes.
Más e a sua bela casa, seu carro? Sabe moço meus filhos queriam fazer faculdade e eu não podia pagar, então depois que minha esposa partiu eu vendi o carro e a casa e comecei a pagar aluguel e os ajudei a pagar a Faculdade; E seus filhos se formaram? Sim, um é Engenheiro, o outro é Advogado, minha filha é Médica e o caçula é Contador em uma empresa do Governo. E o Sr. mora sozinho, não moço eu moro com Deus, ele esta sempre comigo.
E os seus filhos visitam o Sr.? Olha moço eles são muito ocupados trabalham muito e não tem tempo. Más e seus netos, sabe moço eu nem conheço direito só os vi algumas vezes, eu sei onde eles estudam então eu passo por lá vendendo meu sorvete e fico olhando alguns pela cerca da escola. E o Sr. não tem vontade de abraça-los, chamá-los de neto, beijá-los.
Eu nem penso nisso, acredito que eles iriam sentir vergonha de dizer aos colegas que este velho maltrapilho, feioso é seu parente, então quero poupá-los dessa vergonha.
Más os seus filhos poderiam ajudá-lo porque não os procura? Sabe moço eles casaram e cada um tem sua vida, e eu já tive a minha parcela de felicidade com minha esposa, não quero atrapalhar a vida de ninguém.E como eu disse não estou sozinho Deus está sempre ao meu lado, estou somente esperando o dia que ele vai me chamar para ficar com minha esposa.
Más deixe eu seguir, pois tenho muito sorvete para vender ainda, até mais moço, fique com Deus.
E partiu, empurrando o carrinho, fiquei observando de longe até que sumisse de vista no final da rua.
Alguns meses se passaram e eu sempre o observava passando, más um dia ele não passou, no dia seguinte também e passaram-se meses .Fiquei imaginando o que teria acontecido com o velho sorveteiro, fui até o bar da esquina e perguntei ao dono, ele me disse já faz algum tempo ele morreu.
Perguntei como foi, e o dono do bar me disse, um tempo atrás ele subia a rua com seu carrinho, então parou sentou-se na calçada e parecia que estava conversando com alguém, eu sai correndo do bar para perguntar se ele estava passando bem, então ele deitou-se na calçada e fechou os olhos, chamei o resgate, más não adiantou ele já estava morto, então recolhi seu carrinho e seu chapéu velho e o apito no bar, depois de alguns dias a fabrica de sorvetes veio buscar o carrinho. O Sr. ainda tem o chapéu e o apito, sim os guardei; Posso ficar com eles? Pode, más porque o Sr. os quer? Ele era meu amigo e eu gostaria de guardar como lembrança.
Levei para casa e pesquisei muito na Internet em vários sites de relacionamento e acabei descobrindo a família do velho sorveteiro, vi que uma de suas netas ia fazer aniversário e iam dar uma grande festa, toda família iria se reunir.
Peguei o endereço e fui até lá, havia muita gente, uma casa enorme com piscina, um jardim enorme muitos carrões, e um palco onde alguns palhaços se apresentavam.
Quando os palhaços terminaram sua apresentação, subi no palco e peguei o microfone, pedi a atenção de todos, todos estranharam, alguns murmuravam, deve fazer parte do espetáculo.
Então em alto e claro tom eu comecei a falar, “Quero falar de uma pessoa que deveria estar aqui hoje, más tenho certeza que está nos braços de Deus agora, e contei toda história, apresentei o chapéu e o apito, vi muitas pessoas chorando, outros ficaram bravos e pediram que os seguranças me conduzissem a saída. Eu os acompanhei, mas uma garotinha saiu correndo atrás de mim e disse espere, eu parei ela então perguntou se eu conhecera seu avo eu disse que sim, e contei que ele sempre ia á escola e ficava olhando pela cerca ela e seus primos e irmãos brincando. Ela me pediu!Posso ficar com esse apito e esse chapéu, eu disse que sim, então seu pai que há tinha acompanhado perguntou, para que você quer isso minha filha? Sabe papai quando você ficar velhinho, e tiver que vender sorvetes eu te dou para você não queimar sua cabeça no sol, e o apito para chamar as crianças.