Mais um tom de cinza.
(Em Memórias do Câncer -4)
 
Dizem que fiz a maior cara de decepção quando o médico disse: Seus cabelos não vão cair! Eu já tinha até combinado com a H., minha linda cabeleireira, que ela tentaria encontrar uma peruca para mim, como os cabelos que eu usava nos tempos de jovem rebelde, quando freqüentava o Festival de Inverno em Ouro Preto. Ao mesmo tempo já me incomodava pensar na coceira que isso representaria. O médico tinha sido claro – sem queda, mas sem tintura. O que fazer?
As coisas serão melhores do que eu esperava. Sem queda de cabelos, sem náuseas, apenas um formigamento nos membros, câimbras. Nem isso. Náuseas? Comuns, provocadas pela falta absoluta da vontade de comer. Que por sinal, voltou ontem. E continua hoje.
Ontem minha irmã Neuza chegou de Três Corações e trouxe com ela um exemplar da Revista de Domingo de O Globo. A reportagem de capa – A liberdade é branca. Mulheres que ainda bem jovens assumem seus cabelos grisalhos. Não é o meu caso, não sou mais bem jovem, mas por que não? Cada vez mais me aproximando de ser o que realmente sou. Sei que os primeiros tempos não serão fáceis, já que vivem em mim mais de cinqüenta tons de todas as cores. Sempre gostei de variar as cores em meus cabelos, embora seja parcamente vaidosa. Deixando-os seguir o padrão da natureza sei também que precisarei ser muito cuidadosa para que estejam sempre livres, leves e soltos. Assim ficarei parecida com os meus filhotinhos prateados, Lorde Pongo e Joka Espoleta.
E assim a vida continua fluindo....
(Lavras, 18 de maio de 2013)