Vai começar tudo de novo
Ontem, meu filho me disse:
- Por que você não aproveita o final de Salve Jorge e muda sua programação, mãe? Pare de ver novelas. É tudo a mesma coisa.
Minha resposta foi categórica:
- Não. Eu gosto de novelas.
Ele, inconformado, insistiu:
- Você é uma mulher inteligente, deveria assistir a programas inteligentes.
Pensei, pensei e indaguei:
- Quais?!
Meu filho relacionou uma série de bons programas, mas, lógico, todos exibidos em canais de TV por assinatura, nenhum de TV aberta. Neste aspecto, concordo com ele: aproveita-se muito pouco da atual programação das emissoras de canal aberto. O que se vê, na maioria das vezes, são programas de baixo nível em que as pessoas brigam, xingam, expõem a vida particular, num festival de mau gosto e baixarias. Os Humorísticos há muito perderam a graça (ai que saudade de Chico Anysio e seus personagens inesquecíveis!). Com exceção de dois ou três programas de humor, o resto não me arranca o mais leve sorriso. É lamentável, pois temos bons comediantes, o que está faltando são bons roteiros. Os filmes, apesar de serem anunciados como inéditos, já foram exibidos “trocentas” vezes, se não pelo mesmo canal, com certeza em outro. E assim a coisa anda: programas de culinária, de fofocas dos artistas, reality show, enfim, são exibidos em quase todos os canais, confirmando aquela máxima do Velho Guerreiro: “Na televisão nada se cria, tudo se copia”. Para minha sorte e deleite, ainda existem alguns programas de entrevistas muito interessantes e alguns de variedades que sempre apresentam convidados especiais que abordam temas importantes: saúde, comportamento, literatura, meio ambiente, etc.
Coincidência ou não (vou fingir que não sei por que), os melhores programas são exibidos em horários em que grande parte da população está trabalhando, portanto, não tem oportunidade de assistir. Quando as pessoas chegam exaustas do trabalho o que sobrou para elas assistirem são os noticiários cheios de violência e corrupção, os programas de baixo nível e as novelas. E não tem jeito, por maiores que sejam os discursos anti-Globais, ela é imbatível nesse requisito: teledramaturgia.
Há coisas que meu filho não entende. Primeiro: assistir a novelas é um hábito adquirido há décadas. Minha geração cresceu diante da televisão (a dele em frente à tela do computador) em que a principal atração sempre foi a novela. Acho até que existem pessoas mais fascinadas do que eu já que, há algum tempo, só acompanho as de seis e as de nove horas. Não sei quando e nem por que perdi o costume de ver as de sete. Nesse intervalo, às vezes, dou uma passadinha pelo Facebook ou por algum site interessante, leio mais alguns capítulos de um livro (essa é outra cachaça) ou estou digitando algum novo texto, enfim, eu tenho outros focos de interesse.
Outro motivo: moro no interior e, como se sabe, muito pouco se tem a fazer em uma cidadezinha do interior. Não temos teatro (até temos um, mas está desativado há anos por falta de interesse das autoridades locais); raramente acontece um evento cultural (acontece, mas que não se pode chamar exatamente de cultural as baladas de funk em que os jovens mais bebem e brigam do que outra coisa); temos um cinema, isso é verdade, mas nem sempre os filmes exibidos são atraentes; temos apenas uma Livraria onde, muito de vez em quando, ocorre uma tarde ou noite de autógrafos; temos uma Casa de Cultura que se encontra em obras e há algum tempo não apresenta uma grande atração. Agora, se há uma coisa que temos em grande quantidade são os bares. A cidade está infestada de barzinhos e essa acaba sendo a opção, principalmente nos fins de semana. Eu confesso que gosto de “um barzinho e um violão”, mas isso não é programação para se fazer todos os dias, ou melhor, todas as noites. O que sobra? As novelas, claro. Juro que até trocaria por uma peça de teatro, por um vernissage, por um lançamento de livro, por um cinema, por um espetáculo de dança, por uma feira de artes, enfim, por qualquer outro programa cultural. Aí entra o terceiro motivo: novela também é manifestação cultural. E, diga-se de passagem, o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais dessa modalidade de arte.
Quando terminou Avenida Brasil, escrevi uma crônica sobre o que vejo numa novela, ou seja, não apenas o que está na frente das câmeras, mas tudo o que há por trás delas. Não vou relacionar tudo de novo, porém, não posso deixar de mencionar minha enorme admiração pelos autores de novelas. Não há um(a) preferido(a). Para mim todos são sensacionais ou “felomenais”, como diz Giovanni Improtta (o personagem de novela que acabou virando filme). É preciso muita capacidade intelectual, inspiração, conhecimento, competência, generosidade e coragem para desenvolver um enredo de novela. É um trabalho que demanda muito tempo e muita energia do autor. É, sobretudo, a representação da vida humana em suas mais variadas nuances. É o retrato das sociedades modernas ou não (trabalhos de época) que revelam muitas vezes o que não temos consciência ou conhecimento, apesar de o mundo estar em plena era da informação. É veículo de entretenimento, mas é, acima de tudo, palco de denúncia, alerta, esclarecimento e observância da História.
Para muitos é fácil sentar todas as noites diante da televisão, durante cinquenta minutos, e dizer que uma novela é ruim. Aí, dá vontade de dizer: “então faça um TBC (tire a bunda da cadeira) e escreva uma melhor do que essa”.
Meu filho teve a melhor das intenções, eu sei. Entretanto, ainda que haja outras alternativas, vou continuar nessa prática, pois com ela adquiro também capacidade de discernimento, de julgamento, de compreensão do que é válido ou não numa história. Aprendo muito observando o trabalho desses profissionais da ficção. E, embora possa parecer pretensioso de minha parte, um dia ainda vou ter a capacidade de criar como eles.
É, meu filho, você bem que tentou, mas vai começar tudo de novo.
Adeus Salve Jorge e seja bem-vinda Amor à Vida.
- Por que você não aproveita o final de Salve Jorge e muda sua programação, mãe? Pare de ver novelas. É tudo a mesma coisa.
Minha resposta foi categórica:
- Não. Eu gosto de novelas.
Ele, inconformado, insistiu:
- Você é uma mulher inteligente, deveria assistir a programas inteligentes.
Pensei, pensei e indaguei:
- Quais?!
Meu filho relacionou uma série de bons programas, mas, lógico, todos exibidos em canais de TV por assinatura, nenhum de TV aberta. Neste aspecto, concordo com ele: aproveita-se muito pouco da atual programação das emissoras de canal aberto. O que se vê, na maioria das vezes, são programas de baixo nível em que as pessoas brigam, xingam, expõem a vida particular, num festival de mau gosto e baixarias. Os Humorísticos há muito perderam a graça (ai que saudade de Chico Anysio e seus personagens inesquecíveis!). Com exceção de dois ou três programas de humor, o resto não me arranca o mais leve sorriso. É lamentável, pois temos bons comediantes, o que está faltando são bons roteiros. Os filmes, apesar de serem anunciados como inéditos, já foram exibidos “trocentas” vezes, se não pelo mesmo canal, com certeza em outro. E assim a coisa anda: programas de culinária, de fofocas dos artistas, reality show, enfim, são exibidos em quase todos os canais, confirmando aquela máxima do Velho Guerreiro: “Na televisão nada se cria, tudo se copia”. Para minha sorte e deleite, ainda existem alguns programas de entrevistas muito interessantes e alguns de variedades que sempre apresentam convidados especiais que abordam temas importantes: saúde, comportamento, literatura, meio ambiente, etc.
Coincidência ou não (vou fingir que não sei por que), os melhores programas são exibidos em horários em que grande parte da população está trabalhando, portanto, não tem oportunidade de assistir. Quando as pessoas chegam exaustas do trabalho o que sobrou para elas assistirem são os noticiários cheios de violência e corrupção, os programas de baixo nível e as novelas. E não tem jeito, por maiores que sejam os discursos anti-Globais, ela é imbatível nesse requisito: teledramaturgia.
Há coisas que meu filho não entende. Primeiro: assistir a novelas é um hábito adquirido há décadas. Minha geração cresceu diante da televisão (a dele em frente à tela do computador) em que a principal atração sempre foi a novela. Acho até que existem pessoas mais fascinadas do que eu já que, há algum tempo, só acompanho as de seis e as de nove horas. Não sei quando e nem por que perdi o costume de ver as de sete. Nesse intervalo, às vezes, dou uma passadinha pelo Facebook ou por algum site interessante, leio mais alguns capítulos de um livro (essa é outra cachaça) ou estou digitando algum novo texto, enfim, eu tenho outros focos de interesse.
Outro motivo: moro no interior e, como se sabe, muito pouco se tem a fazer em uma cidadezinha do interior. Não temos teatro (até temos um, mas está desativado há anos por falta de interesse das autoridades locais); raramente acontece um evento cultural (acontece, mas que não se pode chamar exatamente de cultural as baladas de funk em que os jovens mais bebem e brigam do que outra coisa); temos um cinema, isso é verdade, mas nem sempre os filmes exibidos são atraentes; temos apenas uma Livraria onde, muito de vez em quando, ocorre uma tarde ou noite de autógrafos; temos uma Casa de Cultura que se encontra em obras e há algum tempo não apresenta uma grande atração. Agora, se há uma coisa que temos em grande quantidade são os bares. A cidade está infestada de barzinhos e essa acaba sendo a opção, principalmente nos fins de semana. Eu confesso que gosto de “um barzinho e um violão”, mas isso não é programação para se fazer todos os dias, ou melhor, todas as noites. O que sobra? As novelas, claro. Juro que até trocaria por uma peça de teatro, por um vernissage, por um lançamento de livro, por um cinema, por um espetáculo de dança, por uma feira de artes, enfim, por qualquer outro programa cultural. Aí entra o terceiro motivo: novela também é manifestação cultural. E, diga-se de passagem, o Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais dessa modalidade de arte.
Quando terminou Avenida Brasil, escrevi uma crônica sobre o que vejo numa novela, ou seja, não apenas o que está na frente das câmeras, mas tudo o que há por trás delas. Não vou relacionar tudo de novo, porém, não posso deixar de mencionar minha enorme admiração pelos autores de novelas. Não há um(a) preferido(a). Para mim todos são sensacionais ou “felomenais”, como diz Giovanni Improtta (o personagem de novela que acabou virando filme). É preciso muita capacidade intelectual, inspiração, conhecimento, competência, generosidade e coragem para desenvolver um enredo de novela. É um trabalho que demanda muito tempo e muita energia do autor. É, sobretudo, a representação da vida humana em suas mais variadas nuances. É o retrato das sociedades modernas ou não (trabalhos de época) que revelam muitas vezes o que não temos consciência ou conhecimento, apesar de o mundo estar em plena era da informação. É veículo de entretenimento, mas é, acima de tudo, palco de denúncia, alerta, esclarecimento e observância da História.
Para muitos é fácil sentar todas as noites diante da televisão, durante cinquenta minutos, e dizer que uma novela é ruim. Aí, dá vontade de dizer: “então faça um TBC (tire a bunda da cadeira) e escreva uma melhor do que essa”.
Meu filho teve a melhor das intenções, eu sei. Entretanto, ainda que haja outras alternativas, vou continuar nessa prática, pois com ela adquiro também capacidade de discernimento, de julgamento, de compreensão do que é válido ou não numa história. Aprendo muito observando o trabalho desses profissionais da ficção. E, embora possa parecer pretensioso de minha parte, um dia ainda vou ter a capacidade de criar como eles.
É, meu filho, você bem que tentou, mas vai começar tudo de novo.
Adeus Salve Jorge e seja bem-vinda Amor à Vida.