MODERNISMO

Há pouco tempo atrás escrevi um texto que trata da onda de saudosismo que anda se abatendo sobre muitas pessoas, inclusive sobre escritores e cronistas consagrados, que invariavelmente escrevem sobre o tema. Teve gente que comentou o referido texto dizendo que “saudosista” é tudo igual e que a única coisa que muda entre eles é o endereço. Talvez haja uma certa dose de razão nessa afirmativa pois “ter saudades” é muito gostoso e, por muitas vezes, gratificante. E, apesar de hoje em dia, muitos formadores de opinião dizerem que o que importa mesmo é o presente, eu jamais irei esquecer ou renegar o passado que tive, até porque ele existiu e isso não tem como negar.

Mas, por que será que anda acontecendo toda essa saudade dos tempos idos?

Arrisco dizer que o modernismo exacerbado de hoje está começando a incomodar, tornando o nosso dia-a-dia um verdadeiro “samba do crioulo doido”. Já passei dos cinqüenta, portanto essa minha visão das coisas pode ser vista por alguns, como falta de capacidade interior para entender e acompanhar tudo de novo que surge a cada dia com uma velocidade assustadora. Mas não me incomodo com isso.

A última novidade que me chega é um vidro para janelas que, a um simples toque no botão do controle remoto, torna-se opaco ou transparente. Quando vi essa notícia na TV, irritei-me (não sei se consciente ou inconscientemente). Naquele momento, pensei: meu Deus, onde é que vamos parar com toda essa parafernália criada e aperfeiçoada a todo instante? Casas totalmente projetadas para serem “manuseadas” por controle remoto, carros que te dão ordens pelo viva-voz, prestadoras de serviços públicos escondendo-se de nós, sendo o contato com elas somente possível por telefone ou e-mail, caixas eletrônicos à sua disposição em locais a mercê de delinqüentes, CD no lugar do vinil (viva a pirataria), DVD no lugar do VHS, fitas cassete sendo vistas como objetos estranhos e sem utilidade, Internet e afins tomando conta de nossas vidas. E ai de você se não acompanhar toda essa evolução incessante que entra em sua casa muitas vezes sem lhe pedir licença. Tenha certeza de que serás considerado um pobre ET. Já ouvi dizer que aquele cidadão que ainda não providenciou um e-mail é um excluído, assim como aquele que ainda não possui Internet é um novo analfabeto. Por essa teoria, quem não tem computador, não existe. Pode uma coisa dessas? Bem, tanto pode que os fatos estão aí para provar.
Dia desses meu sistema de som deu pane num dos compartimentos das fitas cassete. Telefonei para a autorizada da marca, expliquei o problema e o técnico disse-me que poderia levar o aparelho para o conserto devido. Não sem antes me perguntar: “Mas o senhor ainda utiliza fitas cassete? A maioria das pessoas, quando dá algum problema com os decks, nem manda mais consertar”. Senti-me meio deslocado do mundo, mas disse a ele que ainda utilizava fitas cassete de áudio, fitas VHS, que tenho várias delas gravadas e que não pretendo desfazer-me. É como o toca-discos dito analógico que, para quem não sabe ou nunca viu, é aquele que tem um braço com uma agulha na extremidade, um prato que gira normalmente a 33 rotações por minuto e reproduz os antigos e maravilhosos Long Playings, mais conhecidos como LP’s. Para encontrar-se uma agulha hoje em dia é necessária uma peregrinação e tanto, e muitas vezes o resultado é frustrante.

O pior disso tudo é que com o modernismo chegou também a individualidade, o distanciamento entre as pessoas, a frieza nos relacionamentos pois quase tudo já pode ser feito à distância sem o “olho no olho”, os novos termos inacessíveis para muitos (digitar, back-up, up-grade, defrag, processador de textos, só para ficarmos no campo da informática) e as informações e eventos cada vez em maior número sendo dadas em inglês como se o tão rico idioma português fosse algo impossível de pronunciar-se.

O modernismo também acaba deixando de lado todo o glamour, o bom gosto, a finesse e a elegância. O cavalheirismo e a gentileza, antes sempre presentes, hoje não passam de meras recordações de uma época onde éramos bem menos informados, mas muito, infinitamente muito mais felizes.

Sorte de quem, como eu, viveu e sentiu!


 
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