Os telefones tocam, e mãos atendem rapidamente. Marcada a jogatina. A criação de Mário de Andrade ou seria do Macunaíma: Truco, seis! O Pôquer de cinco centavos (pobreza lascada), full house. O pano verde de Ruy Chapéu (conheci um cidadão que jogou numa sinuca com trinta e seis bolas, não tinha caçapa, só tabelas). O lendário Dominó sem Polegar. Banco Imobiliário que legou a um amigo o desejo de posse incomensurável, tornou-se agiota. O sanguinolento Counter Strike, só na faquinha ou head shoot. Mas de todos os jogos, a estratégia do War e a sorte dos dados causam tensões que fazem de amigos inimigos imortais!

Lançam-se os dados para ver quem será o distribuidor. Aqui já começa a estratégia, aquele que ficar por último já fica cabisbaixo e cismado com os ataques adversários. Eita joguinho que gera confusão. Basta um jogador adquirir dois ou três territórios de um adversário que a voz já se levanta: “moço, seu objetivo é me destruir”. “Já remanejou, não pode mais atacar”; “esqueceu de pegar carta, agora já era”.

Conheço um cara com coração nas costas que só não faz mais barulho que o homem da cobra (engraçado falar em homem da cobra, há tanto tempo não vejo um sujeito desses). Tem um outro de testa larga que, se estiver perdendo, para de jogar, tipo aqueles meninos donos da bola: “assim eu não jogo mais” e derruba as pecinhas todas do tabuleiro. Há um barbudo e cantor que se autointitula Saruman e seu exército negro perdedor (kkkk). O bombado é uma incógnita; faltando só um território para ganhar o jogo deixa passar a vez. Tem um cara de óculos que arremessa a carta no peito do adversário quando se esquece de pegá-la. Mas o mais engraçado é o senhor “cique” que, quando apela, nem joga os dados na “cacinha” e diz que vai dormir; vê se pode! Existem outros jogadores também dignos de destaque: um gordinho safado sem vergonha que te protege e depois te destrói; o matemático calculista euclidiano; um tal de Ruym, o casal adocicado com mel e outras pérolas.

E lá se vão horas e horas. Um barulho danado de dados em copinhos, três dados: maior com maior, menor com menor, quatro ganha de três, seis ganha de todos (lógico), o empate é da defesa. A totalidade da Ásia, da Oceania, da África Setentrional, Médio Oriente... Terraconenses, Drácia, Baetica (pronúncia latina “Bética”)... e muitos outros territórios de um Império Romano ou de uma Especial Edição do pós-segunda guerra mundial. Uma boa aula de Geografia, de sorte e de paciência, pois aqueles que não resistem são sucumbidos impiedosamente, salvo, quando as alianças de não agressões entre fronteiras são feitas só no olhar que também induz ataques.

Na casa, no clube, na fazenda, não há tempo ruim para os apreciadores de tal jogo de tabuleiro. Quem diz que noite foi feita para dormir!? E lá se vão os olhos dos mortos-vivos apertando as pecinhas nas mãos (my precious) para depois colocá-las na melhor posição de ataque. As trocas é um saco, “pego vinte cinco”, e o próximo mais cinco, chegando em setenta ninguém agüenta. Cinco, seis horas de jogo, povo sem o quê fazer. Porém há algo melhor a fazer do que divertir, brigar, barulhar e rir ao mesmo tempo? Salvem os jogos saudáveis, mesmo quando cheios de tensões e causadores de discórdia. Depois vêm as desculpas fraternais, afinal é difícil aceitar a derrota. E viva o War ou seria Uai, ou seria Waórdio? Viva a vitória dos dados. Alea jacta est!