CANÇÃO DOS AMORES
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(texto extraído do livro CRÔNICAS COMPROMETIDAS COM A TUA VIDA – 2ª Edição, Ed. Nacional – PA, 1990), edição realizada com o apoio cultural de George Barreto e David Fernandes Júnior – da empresa Intercontinental (instrumentos musicais).
Ah, doce senhora, hoje acordei com desejo de fazer poesias, falar bobagens, correr ao vento, tomar água de coco e chamar você de meu amor, de dois amores, um da vida e outro da morte, um que vai e outro que fica.
Há dentro de mim dois amores, um de dentro e outro de fora, um que ofereço e outro que eu fico comigo, dentro do peito, como um segredo, bem guardado. Há um amor que é como a onda vem e vai, bate e molha e outro que mansamente vai desaguar no rio calmo, como o leito da mulher amada.
Ah, doce senhora, hoje eu quero fazer poesias, falar de você, de seus beijos, de seus desejos, de suas brigas, de suas fantasias, poesias. Você não entende ninguém entende como eu posso ter dois amores. Um é alegre, brinca, é pequenino, corre, sonha e tem futuro. O outro está guardado, dentro do peito: é só meu.
Ah, doce senhora, vem brincar de falar bobagem, brinquemos de inventar cirandas, de se esconder nas sombras e chorar de dia e de sorrir em velórios. Faz tudo isso porque há realmente um amor dentro de outro amor, um amor de fome, que consome, e um amor que ama e ele se chama você.
Fica do meu lado esquerdo, ou do direito, ou dos dois, como um mundo onde cabe tudo, cabe a todos e ninguém se importa. Nesse amor que não é amor, é mais do que amor, há isso sim, a certeza de casebres bonitos e não barracões de lama e zinco, cheirando a imundície.
Ah, senhora, como é doce sonhar, falar de tudo, dizer ao mundo que existem dois amores. Como seria bom, senhora, se todos pudessem, como eu, ter dois amores. Um que abraça e chora e outro que fica guardado, dentro do peito, escondido, que se amarga, mas que suporta, existe, persiste e resiste.
São centenas de coisas boas a abrigar milhares de coisas boas cuja única coisa ruim é a incompreensão dos outros. Como é difícil! São milhares de olhos a me olhar e milhares de luzes a me seguir, tentando aprender o que eu já aprendi no pensamento de antigos deuses esquecidos.
É o amor dentro do amor, amor de vida, amor dos outros, amor dos homens. É a música, os violões contraponteando, a batucada, a respiração, às vezes, a voz e estalar aos ouvidos, enfim, tudo.
No meio do meu amor primeiro está meu amor segundo, mas os dois são meus e não os divido. Um amor, doce senhora, sou eu mesmo, com meus defeitos, minhas virtudes, meu cabelo grande e minha barba sempre por fazer. O outro é você e mais ninguém...Não há espaço para um terceiro amor...
Ah, senhora, como é bom viver dois amores...!