MORRO
Mesmo que morro assim o diga, é só do morro que falo; ou melhor, escrevo. Homógrafa a palavra, ainda que título, exige clareza como se isolada do período. Na primeira oração, o verbo morrer; na segunda, o substantivo a nomear o texto de que é objeto.
Morro é comum na geografia física brasileira, acentuando-se mais e de forma mais atraente, na beleza natural do Rio de Janeiro. Neste aspecto o Pão de Açúcar, o Corcovado. Noutro, opção de moradia e reduto do samba, morro tem características transformadas ao longo das quatro últimas décadas. Morro foi sinônimo de favela, que agora se chama "comunidade", palavra esta que significa comunhão, comum união. Em época de “inclusão social” não é “politicamente correto” dizer-se favela; usa-se o bem comportado eufemismo comunidade. E com justa razão pois, sem dúvida, ali se vive muita coisa em comum, embora nem sempre em união.
A história da música popular brasileira tem um longo e belo capítulo dedicado ao samba de que o morro é berço, raiz e morada. O samba exaltou poeticamente o morro com belíssimas composições que o colocaram acima da sua própria elevação. Algo celestial:
“Barracão de zinco sem telhado, sem pintura, lá no morro. Barracão é bangalô. Lá não existe felicidade nem arranha-céu, pois quem mora lá no morro já vive pertinho do céu.” (1)
Esta é talvez a versão mais lírica composta pelos amantes do morro, então favela, mas vista poeticamente. Ainda na década de 60, com os momentos de renovação da MPB, houve quem contestasse aquela “falsa realidade”:
“Feio, não é bonito, o morro existe, mas pedem pra se acabar. Canta, mas canta triste, porque tristeza é só o que se tem pra cantar. Chora, mas chora rindo, porque é valente e nunca se deixa quebrar. Ama, o morro ama um amor aflito, um amor bonito que pede outra história.” (2).
E por falar em morro alguém escreveu: “Em Mangueira quando morre um poeta todos choram”. (3)
Hoje, morro tem outra atração. É bom para o turista ver a comunidade do Alemão. Acho até que o morro da Mangueira perdeu um pouco a graça sem Cartola, sem Nelson Cavaquinho, sem Carlos Cachaça. Os morros sem barracões de zinco e o Rio sem Jacó do Bandolim e Elizeth Cardoso a cantar:
“Vai barracão, pendurado morro, vem pedindo socorro, e a cidade a teus pés”.(4).
Cidade onde morava Nara Leão, mas que cantou o morro: “Pode me prender, pode me bater, pode até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não.”(5).
Bom, eu comecei esta crônica dizendo morro. Mas o morro não é a morte. É do Rio o coração.
________
1. Herivelto Martins
2. Carlos Lyra
3. Nelson Cavaquinho
4. Luis Antônio.
5. Zé Keti
Feio, não é bonito.
http://www.youtube.com/watch?v=wQdO2SYHFtM
Minha Missão> Clara Nunes.
http://www.youtube.com/watch?v=eyztgr5ZCwM
Minha Gente do Morro >Clara Nunes
http://www.youtube.com/watch?v=pF9dyoJJjPY
Alvorada no Morro> Clara Nunes
http://www.youtube.com/watch?v=_FcwZKk9Wcs
LINGUAGEM DO MORRO
(Chico Buarque).
Tudo lá no morro é diferente
Daquela gente não se pode duvidar
Começando pelo samba quente
Que até um inocente
Sabe o que é sambar
Outro fato muito importante
E também interessante
É a linguagem de lá
Baile lá no morro é fandango
Nome de carro é carango
Discussão é bafafá
Briga de uns e outros
Dizem que é burburim
Velório no morro é gurufim
Erro lá no morro chamam de vacilação
Grupo do cachorro em dinheiro é um cão
Papagaio é rádio
Grinfa é mulher
Nome de otário é Zé Mané (2x)
Numa vasta extensão
Onde não há plantação
Nem ninguém morando lá
Cada pobre que passa por ali
Só pensa em construir seu lar
E quando o primeiro começa
Os outros depressa procuram marcar
Seu pedacinho de terra pra morar (2x)
E assim a região
sofre modificação
Fica sendo chamada de a nova aquarela
E é aí que o lugar
Então passa a se chamar favela (2x)
Se o operário soubesse
Reconhecer o valor que têm seus dias
Por certo que valeria
Duas vezes mais o seu salário
Mas como não quer reconhecer
É ele escravo sem ser
De qualquer usurário (2x)
Abafa-se a voz do oprimido
Com a dor e o gemido
Não se pode desabafar
Trabalho feito por minha mão
Só encontrei exploração
Em todo lugar
Se o operário soubesse
Reconhecer o valor que têm seus dias
Por certo que valeria
Duas vezes mais o seu salário
Mas como não quer reconhecer
É ele escravo sem ser
De qualquer usurário (4x)
Ouvir> João Nogueira
http://www.youtube.com/watch?v=-hWQ1TTnJmA
Mesmo que morro assim o diga, é só do morro que falo; ou melhor, escrevo. Homógrafa a palavra, ainda que título, exige clareza como se isolada do período. Na primeira oração, o verbo morrer; na segunda, o substantivo a nomear o texto de que é objeto.
Morro é comum na geografia física brasileira, acentuando-se mais e de forma mais atraente, na beleza natural do Rio de Janeiro. Neste aspecto o Pão de Açúcar, o Corcovado. Noutro, opção de moradia e reduto do samba, morro tem características transformadas ao longo das quatro últimas décadas. Morro foi sinônimo de favela, que agora se chama "comunidade", palavra esta que significa comunhão, comum união. Em época de “inclusão social” não é “politicamente correto” dizer-se favela; usa-se o bem comportado eufemismo comunidade. E com justa razão pois, sem dúvida, ali se vive muita coisa em comum, embora nem sempre em união.
A história da música popular brasileira tem um longo e belo capítulo dedicado ao samba de que o morro é berço, raiz e morada. O samba exaltou poeticamente o morro com belíssimas composições que o colocaram acima da sua própria elevação. Algo celestial:
“Barracão de zinco sem telhado, sem pintura, lá no morro. Barracão é bangalô. Lá não existe felicidade nem arranha-céu, pois quem mora lá no morro já vive pertinho do céu.” (1)
Esta é talvez a versão mais lírica composta pelos amantes do morro, então favela, mas vista poeticamente. Ainda na década de 60, com os momentos de renovação da MPB, houve quem contestasse aquela “falsa realidade”:
“Feio, não é bonito, o morro existe, mas pedem pra se acabar. Canta, mas canta triste, porque tristeza é só o que se tem pra cantar. Chora, mas chora rindo, porque é valente e nunca se deixa quebrar. Ama, o morro ama um amor aflito, um amor bonito que pede outra história.” (2).
E por falar em morro alguém escreveu: “Em Mangueira quando morre um poeta todos choram”. (3)
Hoje, morro tem outra atração. É bom para o turista ver a comunidade do Alemão. Acho até que o morro da Mangueira perdeu um pouco a graça sem Cartola, sem Nelson Cavaquinho, sem Carlos Cachaça. Os morros sem barracões de zinco e o Rio sem Jacó do Bandolim e Elizeth Cardoso a cantar:
“Vai barracão, pendurado morro, vem pedindo socorro, e a cidade a teus pés”.(4).
Cidade onde morava Nara Leão, mas que cantou o morro: “Pode me prender, pode me bater, pode até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não.”(5).
Bom, eu comecei esta crônica dizendo morro. Mas o morro não é a morte. É do Rio o coração.
________
1. Herivelto Martins
2. Carlos Lyra
3. Nelson Cavaquinho
4. Luis Antônio.
5. Zé Keti
Feio, não é bonito.
http://www.youtube.com/watch?v=wQdO2SYHFtM
Minha Missão> Clara Nunes.
http://www.youtube.com/watch?v=eyztgr5ZCwM
Minha Gente do Morro >Clara Nunes
http://www.youtube.com/watch?v=pF9dyoJJjPY
Alvorada no Morro> Clara Nunes
http://www.youtube.com/watch?v=_FcwZKk9Wcs
LINGUAGEM DO MORRO
(Chico Buarque).
Tudo lá no morro é diferente
Daquela gente não se pode duvidar
Começando pelo samba quente
Que até um inocente
Sabe o que é sambar
Outro fato muito importante
E também interessante
É a linguagem de lá
Baile lá no morro é fandango
Nome de carro é carango
Discussão é bafafá
Briga de uns e outros
Dizem que é burburim
Velório no morro é gurufim
Erro lá no morro chamam de vacilação
Grupo do cachorro em dinheiro é um cão
Papagaio é rádio
Grinfa é mulher
Nome de otário é Zé Mané (2x)
Numa vasta extensão
Onde não há plantação
Nem ninguém morando lá
Cada pobre que passa por ali
Só pensa em construir seu lar
E quando o primeiro começa
Os outros depressa procuram marcar
Seu pedacinho de terra pra morar (2x)
E assim a região
sofre modificação
Fica sendo chamada de a nova aquarela
E é aí que o lugar
Então passa a se chamar favela (2x)
Se o operário soubesse
Reconhecer o valor que têm seus dias
Por certo que valeria
Duas vezes mais o seu salário
Mas como não quer reconhecer
É ele escravo sem ser
De qualquer usurário (2x)
Abafa-se a voz do oprimido
Com a dor e o gemido
Não se pode desabafar
Trabalho feito por minha mão
Só encontrei exploração
Em todo lugar
Se o operário soubesse
Reconhecer o valor que têm seus dias
Por certo que valeria
Duas vezes mais o seu salário
Mas como não quer reconhecer
É ele escravo sem ser
De qualquer usurário (4x)
Ouvir> João Nogueira
http://www.youtube.com/watch?v=-hWQ1TTnJmA