Drogados de Deus

Sempre leio artigos sobre drogas e descubro que a posição antagônica sobre este tema emerge basicamente na condição de especialistas: médicos, religiosos, militares, donos de grandes meios de comunicação, e até dos pequenos difusores informativos. São os seres que compõem a parte limpa da sociedade, dominada essencialmente pelo lugar comum das opiniões. Para estes “donos do lugar comum” sequer caberá algo excepcional, muito menos sob a forma atual da experimentação pura e simples sempre moralmente inaceitável. Inaceitável porque se converte numa espécie de fascismo, ditadura de coisa inadmissível, repugnante, esvaziando de significado todo e qualquer envolvido com drogas que passará a ser reduzido a condição de drogado.

Profissionais envolvidos com doenças relacionadas ao emprego continuado e excessivo de drogas tomam como verdade o fato dos que adoeceram como representantes totais e globais do fenômeno, nunca a doença enquanto tal. A medicina que capitaliza a saúde aos pedaços permanece oculta nessa fórmula de rendimento. Mergulha nas trevas a personalidade dos que ingerem substância independente da cultura em que estão inseridas. A fatia discriminada revela aos profissionais as marcas daqueles que consumiram drogas de má qualidade, ingeridas dentro do pior contexto social, obtidas mediante a cultura repressiva agigantada sobre elas. No melhor dos trocadilhos o indivíduo drogado é reduzido a pó pela sociedade confortável e asséptica. Aos drogados determina-se apenas a catástrofe predefinida pela crença de uma medicina informativa ancorada na negação absoluta das possibilidades.

Profissionais da área da saúde, ardentes espartanos, opositores do banimento das drogas do seio da sociedade, protetores da família espiritual quase sempre alimentam a repressão violenta como método de qualquer oposição. Assustam criancinhas, pois quando do crescimento em índole própria de liberdade, logo se entregarão as próprias definições: vencendo assim neles o senso particular real da liberdade individual. Ninguém é mais especialista em drogas do que os drogados. Sabemos que existem inúmeros drogados que jamais apresentarão sequer o menor sintoma de incivilidade. Cientes de que as péssimas qualidades das drogas envenenam, e a má utilização delas pode até matar, para tanto servem as clássicas bulas para milhares de medicações onde são prescritas dosagens com o mesmo cuidado.

O Brasil e a América Latina vivem verdadeiros infernos compostos pela tolice ingênua. A tolice ingênua é pior do que as drogas porque insere na sociedade a mensagem sem reflexão para problemas com mais de dois aspectos críticos em que apenas uma verdade pretende vencer toda a condição humana. Eis sim a pior droga em que se investe a razão para com a inteligência que pode haver nos sentidos.

Todas as pessoas ligadas por elevação mental à descriminalização das drogas deviam usar o controle remoto para trocar de canal onde o assunto é tratado de modo inculto e unilateral. Utilizar este método como forma de protesto. O assunto “drogas” transformou-se em questão filosófica num tempo emburricado pela superficialidade informativa com cetro de alta profundidade.

Por que drogados não podem receber gratuitamente as drogas de sua predileção de modo assistido? Por que o lucro do comércio clandestino de drogas será afetado?

É lamentável que os meios de comunicação façam coro a grande parcela do judiciário que determina a droga como responsável pelos crimes do criminoso. Espécie de grande salvação da defesa. O que resta? Multidões de seres civilizados consumidos pelo preconceito moral estabelecido por tal desastroso equívoco. Inseridos numa sociedade sem possibilidade de controle sobre o impostometro sobre a renda da vida no lugar comum.

Escutem os drogados que nunca mataram, nem roubaram, nem sequer perderam a noção do real. São milhões. Escutem os pais que aceitam os filhos com seus vícios, sem espancá-los, acorrenta-los, trucidá-los. São multidões em todo o mundo e nem sempre há sofrimento nisto, pois a ideia é de suplantar o suprimento, mesmo com o engano da fatal dosagem como ocorreria com qualquer outra substância ingerida em doses excessivas. Multidões clamam por respeito em sociedades falsamente ludibriadas em seu direito individual. São os filhos de sociedades antes roubadas na origem, antes miserabilizadas, e impedidas de alguns instantes comemorativos. Proibida a alegria artificial em meio ao universo de artifícios se encaminhando para ao fascismo dos trabalhadores sisudos que com suas botas munidas de salário mínimo e alto custo de vida suplantarão as drogas da sociedade em que vivem. As drogas com o passar dos anos serão tão bem vindas sob o ponto de vista político social que todos compreenderão seu efeito semelhante aos da dinamite de Alfred Nobel no contexto do revés da culpa. A bomba? O direito individual.

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