LAMENTO DE GATO

Este caso aconteceu por volta de 1997. Em plena madrugada ouvia-se um gato miar e assim foi a madrugada toda, o dia a noite, o dia seguinte, o seguinte e mais. Já fazia mais de uma semana que o gato miava. Perguntei ao porteiro e ele me disse que era de um apartamento dois andares abaixo do meu, na mesma coluna, e que o dono viajou e deixou o gato. Era um sábado.

Liguei para o síndico e a resposta que tive foi:

- Não vou tomar nenhuma providência, se você fizer alguma coisa é de inteira responsabilidade sua.

Ele não queria nada com nada. Alguns se candidatam a síndico para ficar isento da taxa de condomínio, ou por “status” e para que suas esposas se sentem como se fossem a primeira dama. Era o caso desse síndico.

Já que ele não ia fazer nada, liguei para o corpo de bombeiros.

- Só poderemos agir mediante mandado judicial.

Liguei para a polícia:

- O senhor liga para os bombeiros.

Liguei para a Sociedade Protetora dos Animais várias vezes e ninguém atendeu.

Naquela tarde senti-me impotente e derrotado. Eu tinha que fazer alguma coisa, pois o gato estava há mais de uma semana sem se alimentar e seus miados eram agoniados, era uma vida que corria perigo de morte. Desci a escada e vi que a janela da área de serviço não estava fechada com o trinco. Pensei em forçar com um sarrafo longo com um prego na extremidade e abrir a janela, mas o gato em desespero poderia se atirar por ela.

No prédio mora uma doutora veterinária no apartamento, cuja área de serviço fica em frente ao andar do gato um andar acima. Consultei essa senhora e ela me disse:

- Ele (o gato) está tão fraco até para miar. Ele está agonizando.

Sentindo-me derrotado, voltei para o meu apartamento e encontrei meu sobrinho. Um garoto bem engenhoso.

- Alex, ajuda-me a pensar em uma solução.

Disse-me ele: - Dá para a gente descer um tubo de conduíte e por ele dar água e jogar ração.

- Mas como vamos fazer isso com a janela fechada?

- Santo, você não falou que dá para abrir a janela com um sarrafo comprido?

Era um sábado à tarde e ainda havia algumas lojas de materiais de construção aberta. Compramos nove metros de conduíte grosso, um sarrafo bem longo, um quilo de ração e começamos a operação “salva gato”. O Alex colocou um saco plástico cheio de água na ponta do cabo de conduíte. Eu, da janela da escada do prédio, abri, com o sarrafo, a janela da área de serviço, o Alex desceu o saco com água e eu com o sarrafo fui procurando o ponto de levar a ponta do conduite para dentro da área e pousar o saco com água no parapeito em equilíbrio. Depois de várias tentativas conseguimos e fechamos a janela. Ficou aberta somente a largura do conduite. Então, do meu apartamento jogamos uns cinco litros de água com o intuito de espalhar a água pelo chão e chegar até onde estivesse deitado o gato para ele lamber. Depois jogamos a ração. E assim fiz todos os dias por mais uma semana.

O gato não mais miou. Teríamos chegado tarde? O gato já estaria morto? Tanto trabalho para nada.

Era domingo de Páscoa. Pedi ao porteiro que me avisasse quando os donos voltassem. Fiquei na expectativa. Eram 22 horas quando o porteiro me deu o aviso. Desci e bati à porta. A dona veio me atender e eu vi o protagonista desta crônica bem alimentado.

- O responsável por toda essa sujeira sou eu.

- Do que o senhor está falando?

- Faz uma semana que eu estou jogando água e ração na área de serviço.

O marido apareceu. Fomos à área de serviço e que vimos foi destruição total. O gato tinha destruído tudo, papeis estavam todos rasgados, panos também, o chão todo sujo, cagado, etc.

- Pôxa, vocês fizeram um trabalho de engenharia. Obrigado!!! Eu voltei porque meu colega de trabalho que devia vir aqui alimentar o gato, telefonou-me dizendo que estava nos Estados Unidos e que há dias não vinha trazer comida. Eu esperava encontrar ele morto, mas assim que abrimos a porta ele veio nos recepcionar e eu nem imaginava que toda essa saúde dele tinha partido você.

- Não só de mim, mas de meu filho e meu sobrinho.

- Obrigado mais uma vez!!!

Aproveitei, desmanchei o nó que prendia o saco de água e voltei para meu apartamento, enrolei os 9 metros de conduite e levei para o depósito de cacarecos do edifício.

Dizem que gato tem 7 vidas. Será mesmo? Em caso positivo, aquele agora só teria 6.

Como disse em minha crônica “Lamento de Cão”, manter gatos e cachorros em apartamento é algo inadmissível, principalmente quando se viaja. Existem hoje, por toda cidade, hotéis para cães e gatos. Viajam, fiquem tranquilos e deixem que pessoas especializadas cuidem de seu animalzinho. Quer ter? Então cuidem bem!!!

Santo Bronzato 15/5/2.013.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 15/05/2013
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