Memórias do Câncer (3)


Passei alguns dias em Belo Horizonte, dando início efetivo à minha luta contra o câncer. Foram dias bem cansativos, mas necessários. Segunda feira fomos ao hospital para retirar o cateter que por dois dias conduziu medicamentos para o meu organismo. Chegamos cedo porque precisava fazer um exame laboratorial. E foi ali, na saleta do café, que a vi pela primeira vez, a Mulher.

Depois dos exames fui quebrar o meu jejum. Lá estava ela, acompanhando o marido, portanto não precisava quebrar nenhum jejum, só ele. Mas ela estava bem mais esfaimada – além de comer de tudo que estava exposto ainda guardou maçãs para mais tarde. Saindo dali não fomos para o mesmo lugar, mas os vi de soslaio, em outra saleta. Estava eu ali assentada com minhas acompanhantes, ansiosa para retirar os apetrechos que me incomodavam. Ora eu o usava como uma pochete, ora pendurado no ombro, ora cruzando o peito, ora como uma máquina fotográfica. Assim que retirasse a incômoda aparelhagem, iríamos para casa onde finalmente eu poderia descansar.
E foi aí que...
Era como se fosse um teatro de arena. Os pacientes assentados em torno de um vão, todos calados ou quase, olhando perplexos, assustados, curiosos, para a Mulher que de repente irrompeu no espaço. Ela deu o seu espetáculo e a gente nem sabia se ria ou chorava. Mal ajambrada, meia idade, um celular no ouvido, bolsa no braço, ela começou a rodear o espaço, ora olhando, para cima, ora fixando a platéia, indo e vindo. Custei a perceber sobre o que falava e ria, embora repetisse sempre. Imagine foi um presentão que ganhei pelo Dia das Mães. O melhor. E o lugar? Uma maravilha! Um lugar onde pobre pode se esbaldar, sem ninguém para aporrinhar. Mil vezes repetiu, mil vezes gargalhou e buscou aprovação em nossos olhos. Imagine que eu fui buscar um objeto na bolsa para dar para ele e me atrapalhei toda, A bolsa caiu e tudo se esparramou pelo chão. Foi aí que decidi. Seria o meu batom. Kkkkk.kkkk.kkk. Ele pegou no ar e devolveu para mim. Não, ele não jogou, deu para um segurança que me entregou em mãos. Kkkk...kkkk...kkk. E imagine a minha amiga, sabe o que ela jogou para ele? Uma calcinha! Kkkk...kkk...kk.... E ele nem pegou! Eu adorei....preferiu o meu batom e de cada vez que penso nisso me dá mais vontade de rir...kkkk...kkk...kk...
Não, não sei o final da história e nem imagino quem foi esse que preferiu o seu batom a qualquer outra coisa. Fui chamada ao consultório e quando saí, livre das amarras, passei por ela, assentadinha ao lado do marido fazendo tricô. (15/05/2013)