O Carneiro

O Carneiro

Década de 80, cidade de Jaboti, estavam todos ao redor de uma mesa grande na churrascaria "Carne Quente", nome sugestivo para o grupo discutir os rumos da campanha. A cidade era pequena, mas o embate político não deixava a desejar as grandes metrópoles. As estratégias da campanha, os rumos, o marketing, o que usar ou não usar contra o adversário.

Meu pai era um dos líderes políticos. Fora militar, e mantinha o estilo linha dura, apesar de ter deixado o exército a muitos anos. Homem sério, com ele tinha que seguir a cartilha rígida e hierárquica militar.

A eleição andava quente, as pesquisas indicavam a derrota do nosso grupo. Apesar dos velhos e outroras adversários de antigamente estarem do nosso lado, indicariam o vice que compunha a nossa chapa, o adversário era outro. Um grupo de esquerdistas ligados a um padre subversivo que queriam tomar o poder instalado na cidade há anos, já haviam tomado o sindicato dos trabalhadores.

A conversa fluia tensa, os ânimos se acirravam na estratégia para derrotar os novos adversários, alguns pontos mais calorosos, um querendo mais que os outros definir os rumos da campanha entre goles de cerveja. Várias sugestões, poucas soluções.

Eu, um garoto de sete anos, pela primeira vez acompanhava meu pai neste tipo de reunião, estava assustado com o tom ríspido que as pessoas falavam, sentia a tensão das pessoas na discussão, e isso me dava medo. Meu pai já tinha me avisado: - você quer ir junto? pode ir, mas se comporte e me obedece ... é uma reunião de trabalho, Neto!!

Neto é meu apelido e de meu avô não tenho o nome. E isto é uma outra história.

Já havia passado do almoço, a churrascaria estava esvaziando, a reunião já tava para mais de duas horas de conversa e discussão. Eu com fome, ninguém comia nada, só vinha garrafa de cerveja cheia, e saía vazia. Fiquei esquecido, sentado ao lado do meu pai e daqueles homens que falavam grosso e gesticulavam bastante.

Encolhido, só escutando o que se passava, não entendia nada. No início acompanhei atentamente com olhos arregalados a discussão em torno da mesa. Mas o tempo passou e a fome chegou.

Um cara passava com espeto de carne pra lá e pra cá, no ínicio ele perguntava se alguém queria, ninguém o escutava, depois só passava olhando, ninguém parecia estar com fome. E eu com fome.

Eu ficava olhando para o cara do espeto com olhos sedentos e boca salivando. O cara do espeto me viu e perguntou se eu queria um pedaço de carne. Eu olhei para meu pai, ele não me olhava. Cutuquei na perna dele, ele resmungou para eu esperar um pouco, mas nem me olhou. Olhei para o cara do espeto balancei negativamente com a cabeça, e ele saiu com espeto de carne.

Fiquei observando o cara do espeto com a carne até ele entrar na area da churrasqueira. Se meu pai não autorizasse eu não poderia pedir e nem comer.

O cara do espeto passava nas outras mesas com o esperto cheio de carne. Eu ficava observando com a faca e o garfo na mão.

Depois de muito tempo, um dos correligionários do meu pai percebeu minha condição e disse para ele: - acho que seu garoto está com fome!!!

Meu pai perguntou-me: - você está com fome?

Eu olhei para ele e disse balançando afirmativamente a cabeça: quero carne!!!

Ele respondeu: - pode pedir pro moço, quando ele passar!

O cara do espeto havia acabado de passar e estava indo na direção da churrasqueira. E eu como estava morrendo de fome, não quis perder tempo, berrei desesperado:

- Ô CARNEIROOOOOO!!! Ô CARNEIROOOO... QUERO CARNE!!!

Gargalhada geral de todos, menos de meu pai que estava constrangido. Na minha cabeça quem trazia leite era leiteiro, cartas era o carteiro....Mas eu não estava preocupado naquele momento, estava com fome e queria carne. Hoje, quando vou em churrascaria não peço carneiro.

Juvenal Tiodoro
Enviado por Juvenal Tiodoro em 15/05/2013
Código do texto: T4291516
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