A Estátua de Prata

Se pudéssemos nos perpetuaríamos, nos eternizaríamos.

Por si só esta ideia nos assusta, apesar de sedutora. E entre o desejo e o ensejo... Criamos mitos, projetamos fantasias, produzimos arte, reproduzimos cultura e reinventamos a vida.

Os gregos criaram a Medusa. Linda mulher de belos cabelos que ousou se meter com a deusa.

Por se lançar no campo do divino fora amaldiçoada: seus cabelos foram transformados em serpentes e a quem contemplasse se eternizaria em estátua.

Surgiu Perseu que decapitou a monstruosidade e carregava aquela cabeça para ‘estatuar’ seus inimigos.

Se este era o mito dos antigos gregos, os semitas também tiveram o seu.

Jeová amaldiçoou Sodoma e Gomorra poupando somente a família de Ló que teria que sair da área sem olhar para trás.

A mulher do patriarca se atreveu contemplar o passado e no ato presente teve seu castigo: fora instantaneamente esculpida em sal pelo Deus enérgico.

A arte plástica está repleta de representantes daqueles que perpetuaram personagens e seus instantes em suas estátuas.

Entre o mito e o místico temo a ‘Vênus de Milo’ e o ‘Êxtase de Santa Teresa’.

Por que a deusa perdera seus braços? Faltaram-lhe abraços. Por que o anjo provoca tanto gozo com sua flecha em Tereza? Porque ela é a santa de Bernini.

Querendo capturar o pensamento, Rodin ‘estatuou’ a ideia em ‘O Pensador’. E ali ele permanece eternamente remoendo seu pensar. Retrato da angústia humana que pensa e reflete sobre as possibilidades. Se fosse um pássaro, passaria. Se fosse um peixe... Mas é um humano assentado, com a mão no queixo. Não é preciso nenhuma palavra para denunciar sua ação. Todos sabem: ele está pensando e pensando ficará.

Nas ruas da cidade está ali em pé sobre um tamborete prateado, uma caixa de papelão na frente e ele esculpido em prata. Em prata? Prateado ao menos, ali está aquela estátua humana. Sim completamente humana e em carne, osso, sangue e tinta. Prova disto são seus olhos vermelhos como reação alérgica àquela purpurina toda. Cotidianamente vem a deusa da necessidade ou o deus da sobrevivência exigir que ele se pinte para poder ganhar a vida. Ele se mata diariamente e prateadamente para servir de amostra pública.

Imobiliza-se por completo em seu tamborete. Vez ou outra joga um beijo para a criança que passa. Vez ou outra dá um adeus para a moça que passa no carro. Vez ou outra faz um coração com as mãos para quem surpreso e em admiração para em sua frente.

Vez ou outra você passa.

Vez ou outra eu passo e penso:

Deusa terrível é a Vida que faz o humano de espetáculo! Deus vingativo é o humano que recria seus mitos, místicos e faz da ação o símbolo de sua pretensa imortalidade!

Passa toda a cidade em multidão e ele permanece ali em sua condenação: parado, movimentos lentos, inerte, ação vagarosa para imitar estátua que ganhara vida.

Frio. Vento. Calor, nada o faz sair dali. Talvez só a umidade da chuva, neblina ou garoa para fazer aquele rapaz reconhecer-se gente e buscar outros caminhos de sobrevida. Talvez a esperança de recuperar a oportunidade que perdera para ter uma vida melhor. Mas, e esta mania de ser estátua que desculpou o artista ou o artista que quer se fazer permanente e eterno nesta estátua de sentimentos.

Loucos todos nós somos por acreditar no impossível.

Michelangelo bateu com o cinzel no joelho marmóreo de seu Moisés e exclamou imperativamente:

-Fale!

Leonardo Lisbôa, Barbacena, 14/05/2013.

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 14/05/2013
Reeditado em 23/05/2013
Código do texto: T4290819
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