A Certeza do Nego

Nego sofreu, nego chorou e continuou, continuou. Enquanto apanhava no tronco, da Grande Mãe ele lembrou; e nego rezou, nego orou e a Mãe Eterna surgiu e falou:

- "Quem tem a Mãe no coração, não teme; segue firme, aguente os teus irmãos."

E nego chorou, nego chorou, pois já não tinha mais compaixão; queria gritar, se revoltar, fazer sofrer, fazer sangrar, se libertar do cativeiro. Podia morrer, podia matar, guerreiro africano, punho certeiro; antes mesmo que tivesse morrido, muitos outros seriam feridos; mas nego esperou, nego esperou e confiou, confiou na Mãe

Divina, que novamente o visitou e falou:

- "Fica firme, meu filho, flua amor, mesmo na dor, flua amor."

E nego sentiu amor, sentiu amor. Suas mãos cansadas trocaram a projeção do sangue da vingança pelo cultivo da flor da certeza que tudo está no devido lugar, mesmo o que não aparenta estar.

E nego continuou, continuou com amor, no trabalho, na servidão, mas sempre orando para a Grande Mãe na energia de cada Iobá, cantando e louvando seus orixás, até que um dia, o senhor das terras veio avisar:

- " Negro, pega teus trapos e se poê a caminhar, livre você está!"

Nego sorriu, nego chorou e com os pés descalços, nego caminhou pela terra da liberdade, sem saber para onde ir, sem saber como comer, nem onde dormir; mas manteve o amor, e se humilhou, pediu ajuda, não encontrou; não havia trabalho, ninguém lhe dava a mão, nem mesmo os seus irmãos de cor; mas nego continuou e acreditou que tudo ficaria bem, e orando aos seus Orixás, nego pediu, a Mãe escutou.

Trabalho veio, casa firmou, mulher surgiu, família criou e quando agradecia a Mãe Divina no terreiro dos Orixás, o homem branco a porta derrubou, nego apanhou, nego gritou, pois o homem branco, o culto proibiu e mandou que eles engolissem as suas certezas e fossem para o templo do homem branco e que rezassem aos santos de barro da Santa Igreja.

Nego orou, nego rezou, e discerniu, pois percebeu que a Mãe Eterna também estava naquelas imagens cujos nomes estranhos, sua língua materna mal conseguia pronunciar. E foi quando a Mãe Divina novamente apareceu e falou:

- Quem tem a flor da certeza no coração, percebe que estou em todo lugar.

E nego sorriu, nego seguiu orando para as santas de rosto branco, para os deuses dos homens brancos; pois diante da Força Maior, a repressão a sua religião era coisa menor. O irmão branco poderia brigar, proibir, denunciar, bater, gritar, fazê-lo jurar que não havia Deus algum se não o Deus que ele estava a lhe empurrar, e nego saberia, e em silêncio ficaria, pois no seu coração a sagrada lição que a Mãe Divina lhe ensinou já virara o rochedo da certeza que o Divino não tem cor, o Divino é fluente amor.