Quando saí de Santa Maria da Vitória,minha terra natal.

Toda uma vida de uma pessoa deve estar sempre gravada na memória quando isto ainda é possível. Lembro-me bem do dia em que cheguei a Santa Maria da vitória, lá no inicio dos anos sessenta, em uma tarde de tempo de mormaço, pois era já final de fevereiro . A viagem foi longa desde a saída de São Paulo da Estação da Luz, passando pelo interior do Estado cortando interior das Minas Gerais, passando pela capital com o fim do trajeto da linha férrea em Pirapora, berço da navegação do São Francisco, o grande rio do sertão de Minas e Bahia.

Esta crônica não tem nada com esta minha chegada a Santa Maria da vitória mas sim com a minha saída em 1980, precisamente no final de fevereiro deste mesmo ano. Primeiro curti o carnaval tocando no Trio Elétrico construído pela dupla inseparável de amigos, Ruy Morais e Milton Nogueira, este último já viajou fora do combinado nos deixando ainda muito jovem.

Eu já tinha consciência de que o natal de 1979 e a passagem de ano mais o carnaval de 1980 eram a minha despedida de minha terra natal. Procurei nestas datas encher o meu coração de alegrias para que o nó na garganta não fosse uma bucha de cordas de sisal. Fiz questão de não avisar a todos os amigos, para que não houvesse uma ampliação na minha vontade de chorar por isso, naquela terça feira após a semana do carnaval, além da minha família adotiva, apenas dois grandes amigos estavam no meu embarque para a minha despedida, ou melhor, para se despedirem de mim: Bochecha e Antônio Rosinha.

Às onze horas e dez minutos, o motorista da empresa Bruney, recebeu o O.K do fiscal, ligou o motor, fechou a porta deu partida saindo de perto do Jardim Jiboia e, em direção da saída pra Correntina, aos olhares e despedidas de quem havia ido embarcar os seus entes queridos, rumamos para a estrada de Santana dos Brejos com destino a Brasília. Entre os passageiros, estavam tia Ruth, a irmã de dona Flora esposa de Herculano, um dos filhos mais jovens do mesmo Herculano, um aluno do Centro Educacional Santa-Mariense e algumas outras pessoas cujos nomes não me recordo neste momento.

À medida que o ônibus aumentava a sua velocidade em direção a Santana, para trás ia ficando a cidade de Santa Maria da vitória, cenário maior de uma longa vida e uma longa história vivida por mim como um personagem e deixava uma quantidade de grandes amigos, colegas, pessoas queridas e um prenúncio de muitas saudades. Até Santana, a minha garganta estava seca. Não conseguia nem sequer conversar com o amigo e aluno, companheiro de poltrona na viagem.

Em Santana, na agência de viagens onde houve a primeira parada para pegar novos passageiros, encontramos alguns parentes da nossa querida professora Adenildes, que de praxe sempre iam até a agência sempre que chegava ônibus procedente de Santa Maria para rever as pessoas conhecidas.

Tudo corria tranquilamente na viagem! Mas ao chegarmos na pequenina cidade de Serra Dourada, tivemos que descer do coletivo e esperarmos por mais de uma hora e meia pelo ônibus que teve que ser levado para uma oficina mecânica para regulagem de freios, o suficiente para chegarmos até a Cidade de Barreiras.

Chegando a cidade de Barreiras por volta das dezessete horas, o motorista nos notificou de que só partiríamos após às dezenove horas, tendo em vista que o carro precisaria fazer um reparo nos freios. Descemos todos e ficamos na rodoviária da cidade andando de um lado para o outro, contamos casos e passagens nossas na cidade de Santa Maria, falamos de futebol, falamos de cinema, falamos de política,enfim esgotamos todo o nosso repertório de piadas e conversas, e com isso, a noite foi chegando e foi se alongando, e, cansados de tanto esperar, e juntamente com os demais passageiros rendemos ao sono nos bancos íngremes da rodoviária. Do mesmo jeito que vimos a noite chegar também vimos a madrugada com o canto do primeiro galo, do segundo, do terceiro e de toda a orquestra de galináceos ecoando seus gritos por toda Barreiras. Acordamos do que foi uma noite quase em claro. Sem água nas torneiras da rodoviária, fomos até o rio para lavarmos o rosto e escovar os dentes. Vendo as águas barrentas do rio, correrem velozmente, novamente iniciamos um novo repertório de causos e piadas.

Por volta das oito horas da manhã vimos o ônibus passar e rapidamente retornamos para a rodoviária mas o veículo não estava lá. Segundo nos informaram, o motorista estava indo até a oficina para pegar o mecânico e ir até a concessionária comprar freios novos e fazer os reparos necessários.

Quando embarcamos ,já passava das onze horas e trinta minutos quando começamos a deixar a cidade de Barreiras para trás. Coloquei a poltrona na posição horizontal e comentamos entre nós que até a chegada a Roda Velha por volta das dezessete horas para almoço e janta, daria para dormirmos uma boa soneca e recuperar a noite quase que em claro. Eu já estava começando a viagem no mundo inominável do sono,quando, de repente,ouvimos um estrondo violento seguido de um chiado característico de um pneu furado. E era. O pneu do lado do motorista explodiu e perito como era, ele conseguiu segurar o veículo e transportá-lo até o acostamento. Todos nós descemos do coletivo enquanto que os motoristas abriram o bagageiro de ferramentas e para surpresa deles o macaco hidráulico não estava lá. Tinha sido deixado em Barreiras na oficina.

A sorte nossa é que um ônibus da empresa Paraiso que vinha de Brasília com destino a Salvador, acabou por nos acudir e emprestar o hidráulico para que o pneu furado fosse substituído pelo estepe. Depois deste último episódio a viagem correu sem nenhum outro contratempo até surgir um outro a alguns quilômetros de Roda Velha. Sem mais nem menos o veículo foi perdendo a velocidade e parou de vez na rodovia. - Caiu a vareta do acelerador, gritou o motorista que estava ao volante. Novamente descemos do ônibus e por sorte, após cerca de um quilômetro e meio percorrido, achamos a vareta que foi recolada e reforçada com um fio de cabo de aço e finalmente chegamos a Roda Velha para o tão sonhado almoço. Ufa!!

Era para chegarmos a Brasília na quarta feira mas em razão dos contratempos só chegamos na madrugada de quinta feira já no cantar dos galos do cerrado do planalto central. Às vezes me pergunto: Será que os deuses não queriam que eu fosse embora de Santa Maria da Vitória ou foi apenas coincidência de estar viajando em um veículo velho e que carecia de uma manutenção mais rigorosa?

Uma coisa é certa. Com todos esses acontecimentos envolvendo aquela viagem em finais de fevereiro de 1980 acabou tirando a minha concentração para sentir saudades e tristezas pela minha partida de Santa Maria da Vitória. Já são mais de trinta anos passados e eu nunca joguei no olvidamento estes pequenos episódios daquela viagem . Nunca me esqueci daquele pequeno riacho corrente que passava próximo da calçada da agência de Serra Dourada. Nunca me esqueci daqueles bancos duros e nem dos banheiros sem água da rodoviária de Barreiras e do seu rio caudaloso com águas correntes que me fizeram lembrar do rio Corrente quando estava com as águas barrentas. Tenho a certeza plena de que, quando nos anos sessenta eu sai de São Paulo com destino à Bahia , na estação da Luz aconteceu algo do qual eu nunca me esqueci até hoje. Tia Elzinha embarcou no trem e deixou Eunice na Estação. Quem sabe se a minha saída de Santa Maria também precisaria estar marcada na memória com algo a mais do que a simples partida?

A coisa mais certa foi o seguinte fato: Quando cheguei a Santa Maria, tia Ruth estava presente comigo na viagem. Quando deixei Santa Maria de volta a São Paulo, tia Ruth também estava comigo. É como se ela me levasse de volta. Estávamos até brigados mas fizemos as pazes em Serra Dourada. Hoje sinto medo de retornar a Santa Maria. Tenho muita vontade mas a certeza de que não encontrarei algumas pessoas que estavam lá quando cheguei nos anos sessenta e quando sai em 1980, mexe de mais com o meu coração, portanto, falo apenas da minha saída. Do dia em que saí de Santa Maria da Vitória.