TRIBUTO ÀS RAÍZES
Desperto sonolento para cumprimentar a manhã ensolarada de outono, o coração apertado. O consumismo emplacou-se-me os seus ditames e ritos e o Dia das Mães vem à cuca nos alvores do rádio e da tevê. Para fugir do lugar comum da simples louvação e presentes, reflito sobre a condição de estar vivo e a ambiência que me cerca. Minha velhinha Tereza ressona desajeitada: uma sonda de alimentação lhe entra pelo nariz aos quase 87 anos. Contemplo-a moça e cheia de vida, fazendo a lida, atazanada, ágil em seus afazeres domésticos, e me vem ao olfato o olor dos alimentos e o doce cheiro das ambrosias. E desce, rasgando da cabeça aos pés, o curto-circuito do viver, mais ágil do que se poderia esperar do tempo. De repente, ela abre os olhos miúdos e baços, a vida precária molha-me os olhos. Há trinta anos costumávamos dizer versos loucamente, como se quiséssemos prover a vida do amor que ela nem sempre continha. E a sua altissonante data tinha consistência e alvo. Não era só uma data de consumo. E mesmo assim, ainda hoje a mãe de tantos anos é o espiritual de passagem que continua a apontar o caminho, mesmo que em sua condenação de estar-não estar-no mundo. De repente, cheia de alegria e de bom humor infantil, entra no quarto a bisneta, a vida embasbacada no rosto lindo: – Bisa, olha o sol e a chuva! O arco-íris entra pelas ventanas da janela, no casamento da raposa. O mesmo de nossa infância de pés descalços, o minuano zumbindo nas frestas. As crianças zombando do frio na algaravia das descobertas, o corpo quase nu. O cheiro bom das comidas começa a penetrar nas narinas e me faz pensar que nada mudou. A mãe-terra espera a todos nós com a paciência das larvas...
– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.
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