Por trás da fachada

Moro há 16 anos na mesma rua. É até difícil resgatar da memória tudo que se passa em tanto tempo, tantas coisas que mudam. Porém, na mesma rua mora inabalável uma casa inacabada que se mantém do mesmo jeito por todo esse tempo. Por vezes passo por ela distraído, que nem a vejo. Por vezes me intrigo. Como pode uma casa, quase terminada, se manter por tanto tempo não finalizada? Por que motivos nunca vi ninguém entrando nela? Nenhum sinal de vida, ou de história. Tanto tempo merece uma explicação! Teria o seu proprietário entrado em falência e não conseguido concluir a obra? Ou teria falecido, deixando uma pertubada herança que filhos não souberam repartir? Apelando para o fantástico talvez seja a propriedade de um indivíduo sem herdeiros, que falecido não comunicou a ninguém a obra, ficando desconhecida a posse. O fato é que há muita história ali. Inevitavelmente tudo isso me faz lembrar de um pensamento recorrente meu quando vejo na TV imagens de multidões transitando fervorosamente por uma avenida movimentada. Cada indivíduo carregando tantas histórias, tantas ciências da vida, tantas dores e amores, mas na imagem sendo reduzindo a somente-mais-um-na-multidão. E nos esbarramos com essas pessoas todos os dias. Passamos e olhamos, sem trocar palavras, sem conseguir imaginar a bagagem que carregam nas costas. Não conseguimos conhecer as histórias atrás de suas faces. Da mesma forma que a casa inacabada.