VISITA AO CEMITÉRIO

No final do ano passado minha sogra faleceu e neste Dia das Mães, infelizmente, eu tive que entregar o presente dela em flores, no cemitério.

Desde que perdeu a mãe, meu "namorido" só vai ao cemitério sozinho, não aceita a companhia de ninguém. Eu respeito a dor dele e não insisto para ir junto. Além do mais, depois de ler esta crônica, não vai ser difícil entender porque ele não faz muita questão da minha companhia para ir a tal lugar.

Mas enfim, eu também queria visitar a Dona Eva, minha sogra, nesse Dia das Mães. E para não ir sozinha, convidei minha mãe e minha tia para irem comigo, até porque elas adoram passear no cemitério. Elas vão parando na frente dos túmulos e contando histórias bem "interessantes" sobre os parentes e amigos que já se foram (hehehe), e assim, o passeio que era para ser triste, acaba se tornando até bem divertido.

Então, combinamos de ir no sábado, um dia antes do Dia das Mães, ou seja, hoje. Meu irmão que estava sem nada para fazer, resolveu ir junto. O fato é que bem na hora combinada, o céu começou a escurecer, anunciando um temporal. Mas a minha mãe disse que de acordo com a meteorologia o temporal só chegaria à noite, e: - Se chover, qual é o problema? A gente não é de açúcar! – Disse ela.

Muito bem, pegamos uns guarda-chuvas, chamamos um táxi e lá fomos, nós quatro, visitar os mortos.

Chegando lá, entramos no cemitério tagarelando sem parar e nós temos um probleminha de família, que é o seguinte: além de falar demais a gente perde “um pouquinho” a noção do tom de voz, de modo que entramos aos gritos. Já o meu irmão é mais quieto, porque puxou a família do meu pai. Esse vinha mais atrás, completamente mudo.

Papo vai, papo vem, lá pelas tantas eu comecei a me perguntar: – Mas pra que lado mesmo fica o túmulo da Dona Eva?

– Gente, eu não lembro mais onde fica o túmulo da minha sogra. Peraí, que eu vou ligar pro Tiago e perguntar.

Liguei! Mas com o temporal se aproximando, a ligação estava toda entrecortada. E a minha mãe e a minha tia não paravam de tagarelar aos gritos.

– Amor! Sssssssssssssss! Estamos aqui no cemitério. Ssssssssssss!

- O quê? Ssssssss!

- Ssssssssssss... no cemitério. Ssssssss... perdidos. Pra que lado fica o túmulo....Ssssssss ...Eva ?

- Em que parte do... ssssss... estão?

- Ssssssss... meio.

- O quê?

- Sssssss... bem no meio.

- Sssss... baixo.

- O quê?

Nisso, se atravessa a minha mãe aos gritos:

- O NÚMERO DO TÚMULO. PEDE O NÚMERO DO TÚMULO.

- Cala a boca, mãe! O QUÊ? ONDE?

- Sssss... tem que ir pra baixo. Desce!

- Ah!

- Sssssss.... portão... Sssssss... velho... Ssssss...flores.

- Como?

- Desce e entra no portão onde está o velho que vende flores.

- Ah tá! Beijo!

- Nós temos que descer e entrar no portão onde fica o velho que vende flores. Mas onde está o velho que vende flores?

Todo mundo se olhou e respondeu ao mesmo tempo:

- Não sei!

- Tá! O negócio é que a gente tem que descer.

Descemos. Lá pelas tantas, olhei para um corredor e reconheci:

- Eu acho que é por aqui. – Disse!

- Não é nada. É mais pra baixo! – Disse minha mãe.

- Mas eu tenho quase certeza que é por aqui.

- Vamos nos espalhar e procurar. Tu vai por aqui. Tua tia vai por ali. Teu irmão vai por lá e eu vou procurar lá embaixo.

Muito bem, nos espalhamos. Ao chegar no fim do corredor, parei na frente do túmulo da minha sogra e comecei a gritar:

- ACHEEEEEEEEEEIIIIIIIIII! ACHEEEEEIIIIIIIIIII!

Ninguém respondeu. Gritei de novo:

- ACHEEEEEIIII A DONA EVAAAAA! VOLTEM!

Ouvi o grito da minha tia:

- A LU ACHOOOU A DONA EVAAAA. VOLTEM! SUELYYYYYY! VOLTAAAAAAA!

Vieram todos.

- Pronto! Aqui está a Dona Eva. – Disse eu.

- Ah, mas que bonita ficou a foto – Disse minha mãe.

- Mãe, essa não é ela. Ela está mais embaixo, olha aqui!

- Ah! Desculpe! Mas ficou bem, igual!

- Desculpe Dona Eva. A senhora não nos leve a mal, mas a gente é meio pirado mesmo. – Disse eu.

Quando coloquei a última flor no túmulo... CABRUUMMM! Começou o temporal.

Abrimos os guarda-chuvas e saímos correndo. Meu irmão ia na frente, minha mãe logo atrás. Eu e minha tia que estávamos de salto alto, íamos beeeeeeem mais atrás, com um guarda-chuva torto.

Nos enfiamos porta dentro na casinha dos coveiros. Sentamos por ali e minha tia começou a bater papo com um deles:

- Mas essa sua profissão não deve ser fácil, né? Imagina... Ter que enterrar gente todos os dias!

- Pois é! Não é fácil mesmo. Mas com o tempo a gente acostuma.

- Ah! Mas eu não me acostumaria nunca com uma coisa dessas. O senhor sabe que blá, blá, blá...

Muitos “ blás” depois, amansou a chuva.

- Lu, vem cá, que eu vou te mostrar um morto por quem eu sou apaixonada desde que era guria. – Disse minha tia.

Olhei o túmulo, estava escrito Capitão aviador Ângelo de tal. Nasceu em 1920 e faleceu em 1946.

- Bonito mesmo, tia. Coitado, morreu tão jovem. Tu te apaixonaste por ele quando ainda estava vivo?

- Não, já estava morto. Quando ele morreu eu ainda era um bebê, olha a data. Me apaixonei pela foto.

- E tu sabe de que ele morreu?

- Não sei bem. Mas acho que o avião dele caiu...

Bem, depois dessa, chamei um táxi e fomos embora. Queríamos continuar o passeio, mas o cemitério estava todo alagado.

A Alquimista
Enviado por A Alquimista em 11/05/2013
Reeditado em 04/07/2014
Código do texto: T4285765
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