A Parábola do Mar

#1 - Acidentes e Incidentes

Eu vim de muito longe, andando por inúmeros lugares. Atravessei pontes, lagos, rios, pântanos, subi e desci montanhas, enfrentei vários relevos. Por todos os lugares havia inimigos e eu não parei de caminhar em nenhum instante. Cai em armadilhas. Fiquei preso em masmorras e calabouços. Lutei contra leões, dragões, rebati tiros de canhões. Deixei-me levar. O vento batia em meu semblante que aos poucos ficou rugoso e ardia em minha pele, pois, há inúmeras feridas abertas. Não tenho cicatrizes, apenas feridas abertas. Queria chegar num mar, na costa, onde todos falavam que era muito bonito e eu sabia que era, fiquei interessado novamente, pois outrora, havia ficado. Sem me dar conta, me apaixonei, mas não sabia que o caminho seria tão difícil assim.

#2 - O Garoto e o Mar

Em outras épocas, quando era mais jovem, eu havia chegado sem muitos esforços neste mar. Foi fácil porque ainda não conhecia o local, não sabia de sua história, de seu passado... Lembro que eu brincava a tarde inteira até o anoitecer, sozinho. A onda vinha e me batia, me jogava, me arrastava. No início eu entrava no mar para um mergulho e quando emergia aparecia longe dos meus pertences na praia, eu não tinha noção daqueles movimentos que a lua exercia nas águas. E meu corpo não ardia com o sal da água, pois, naquele tempo, eu não tinha feridas e nem inimigos.

#3 - Aventura ou Desventura?

Eu só queria ser feliz. Sabia que estava sendo. E sabia que estava aproveitando. Foi muito bom, tão bom que aqueles momentos marcaram tanto minha vida que hoje, depois de tanto tempo, decidi voltar. No entanto, eu estou muito longe da costa, no meio da selva amazônica e pra sentir o mesmo prazer que eu senti quando criança eu tenho que ir a pé. Não posso pegar um barco, um ônibus, ou um avião. Se eu quiser sentir o mesmo sentimento que eu senti e vivi eu tenho que chegar ao mar a pé.

Não é a melhor das aventuras que um ser humano deve viver, mas, se houver êxito é o melhor dos sentimentos que o ser humano deve sentir. Eu fico arrepiado escrevendo isso, entende? É um caminho torto, mas é o meu caminho. Há espinhos por todo o trajeto, cada passo a dor aumenta mais. As urtigas empolam meus pés, os tiriricais cortam minhas pernas. Minhas unhas estão grandes e sujas por vários dias, vários meses, vários anos... Meu cabelo é grande, horrível! Há muito eu não sei o que é uma tesoura, nem o que é um creme dental. Meus dentes doem. Meus ouvidos, minhas pernas, minha costa, minha cabeça, tudo dói. Sabia que fazia parte da desventura todo esse sofrimento. Sem falar nos bichos das várias matas, das várias águas que me atacaram sem piedade e eu deixei. Sabia que eu não iria morrer, porque a intenção do destino não é me matar, mas sim, me fazer sofrer: envenenado, cortado, ensanguentado, dilacerado fisicamente e emocionalmente.

#4 - Eu Precisava Me Manter Vivo...

Eu não podia entrar em nenhuma cidade, mas mesmo assim encontrei pessoas. Não poderia entrar em contato com nenhuma e deveria não usar mais meu idioma. Da minha boca só saía o cuspe, o sangue e o vômito e só entrava os alimentos mais estranhos que eu pude imaginar além dos mosquitos.

- Eu precisava me manter vivo para chegar novamente ao mar.

Só não esperava tamanho sofrimento, mas como me adaptei a minha nova vida, troquei minha frase e agora, digo:

- Eu precisava me manter vivo para sentir todo esse sofrimento que me coloca no caminho que eu quero!

As poucas pessoas que eu encontrei eram todas inimigas. Eram pessoas que vinham do mar, para onde eu queria ir. Elas estavam de saco cheio do mar, sem paciência. Haviam abusado da nobreza da natureza, da cordialidade da lua, da obra de Deus! Quando me viram passaram caladas do meu lado e me atacaram pelas costas. Eu deixei que me atacassem, na verdade, não tive nem reação, pois, eu mal conseguia andar. No meio de toda selvageria covarde eu senti o cheiro do mar em seus corpos e fiquei feliz. Eu sabia que estava perto, só me restava me manter vivo. Eu estava fraco, sem disposição pra pelo menos acertar um de meus inimigos, mas eles amarraram minhas pernas e meus braços, além de terem vedado meus olhos. Pra vencer eu só precisava me manter vivo e o quanto eu amava o mar era o quanto de ódio que eu tinha dos meus inimigos. Era do mesmo nível, muito forte, muito intenso, muito verdadeiro!

#5 - O Elo Insano Por Suas Águas

Eles foram embora e falaram que o mar não me queria por lá. Me deixaram uma carta que eu só pude ler meses depois, pois meus olhos ficaram inchados por tantos socos e chutes. E era a letra do mar mesmo que estava na carta. Resumindo, eu não era bem-vindo e a minha presença não lhe faria bem, tanto que vários tsunamis poderiam existir se eu tocasse em suas águas salgadas e nobres. O mar chega a ser tolo com suas palavras, logo ele, que não sabe que minhas lágrimas de quando mais novo são os que deixaram suas águas salgadas. O mar tem uma porcentagem muito grande de mim, talvez isso explique esse meu elo insano por suas águas.

#6 - Um Amigo

Eu caminhei cego por vários lugares até meus olhos desincharem. Em praias de enormes lagos e rios desvendei um mistério quando voltei a enxergar: quando olhava pra trás, para as minhas pegadas na areia, eu via quatro pegadas - as minhas duas e mais duas ao meu lado - olhei para minha direita e esquerda e nada vi. Bebi um pouco de água quando a noite chegou e dormi naturalmente na praia. Tive um sonho e em meu sonho apareceu Jesus Cristo. Ele me revelou que a outra pegada na areia era dele e que ele estava todo tempo comigo e por isso, eu ainda estava vivo apesar de tantos sofrimentos e ferimentos. Eu sabia que ele sempre esteve comigo, mas agora ficou muito claro. Eu até me assustei e confortavelmente continuei a dormir feliz com a notícia.

#7 - O Monte da Bela Vista

Acordei sendo jogado no rio por uma tribo que também veio do mar. Desesperado, não tive tempo e me afoguei. Não morri, Jesus talvez tenha me trazido de volta a praia. Eu levantei, vomitei bastante água e voltei a caminhar naquelas areias ardentes do sol que castigava tudo. Olhei pra trás, para as areias novamente e vi apenas as minhas pegadas. Me perguntei: - Será que Jesus me deixou? Não obtive a resposta, mas continuei com a mesma fé de sempre meu caminho. Atravessei mais lugares indigestos e do alto de um monte avistei o mar num fim de tarde lindo. Ele brilhava muito. Eu havia chegado a costa. E o sol ia se pondo de minuto a minuto. Abri um sorriso, porém, avistei mais pessoas vindo do mar subindo o monte, em minha direção. Eram inimigos, mas tudo bem, a tormenta continuava.

#8 - O Divino Diálogo

O mar sentiu meu cheiro e houve um terrível tsunami. Tudo ficou debaixo d'água, só não o topo do monte onde eu estava. Chegou a noite, sonhei novamente. Jesus apareceu e eu lhe perguntei se ele havia me deixado. Ele disse que não, em nenhum momento. Eu continuei acreditando apesar de ter visto somente as minhas pegadas na areia daquela praia. E antes que eu fizesse outra pergunta e já sabendo de minha fé, Ele disse:

- Aquelas pegadas na areia não eram de seus pés, eram minhas. Você ficou exausto e desmaiado por vários dias e eu te carreguei por muitos outros lugares depois da praia. A lucidez de você acordar e olhar para trás para "checar" sua pegada foi de fato causado por mim.

Eu agradeci e disse:

- Então ainda estava testando minha fé mesmo sabendo que eu realmente a tenho?

E Ele disse:

- Todo mundo está lhe testando: a fauna, a flora, os variados relevos, seus inimigos que vem do mar, o próprio mar!

E eu:

- Mas por quê?

E Jesus:

- Eles sabem que você conseguirá o que quer. Seu corpo está destruído, mas seu espírito está limpo e impecável. Você não teme o caminho espinhoso, aliás, o caminho espinhoso parece que é o seu caminho! O caminho que você mais se encontra! O caminho que mais lhe faz bem!

Eu:

- O mar não devia me testar, Senhor...

Jesus:

- Eu lhe entendo. Sei muito bem o quanto o mar está perdendo tempo lhe testando. Ele sabe que você chegará a tocar suas águas e você ficará feliz como ficou quando era mais jovem!

#9 - Ainda Estou Caminhando

Eu sorri. Meu sonho e minha conversa com Cristo terminaram. Levantei e vi do alto a devastação das águas. Desci o monte e caminhei entre a destruição até a praia certo que quando tocar o mar, ele jogará contra minha pessoa dez ondas gigantescas, maiores que esta que devastou tudo - falo isso porque ainda estou caminhando ao meu objetivo. E sentindo o que eu senti quando jovem irei me entregar de vez e poderei morrer feliz, ao lado de quem eu realmente quero! Morrerei de êxtase de amor e por amor! Melhor morrer sentindo o que quero, do que morrer sentindo o que não quero! E por que morrer? Ainda estou caminhando...

Algumas palavras:

Parábola: narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca outra realidade de ordem superior.

Êxtase: arrebatamento íntimo; arroubo. Admiração de coisas sobrenaturais.

"A Parábola do Mar" poderia ser "A Conquista do Amor" e a passagem das pegadas na areia foi tirada de um texto de 1934 de um autor desconhecido, adaptada por muitos escritores em várias histórias assim como eu fiz neste texto.

Albenizio Júnior
Enviado por Albenizio Júnior em 11/05/2013
Reeditado em 11/05/2013
Código do texto: T4284992
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