Sobre mudanças do nada para o nada
Cortei meu cabelo. Está horrível.
Estou no centro da cidade. Encontro-me com uma amiga. Vejo roupas bonitas. Sorrimos das roupas feias. Compramos coisas. Ouvimos pessoas, histórias, boatos. Ela se foi.
Estou na biblioteca, viajo pelos livros, ouço minha respiração enquanto passeio lentamente pelas prateleiras, escolho Carlos Drummond Andrade.
Não estou com paciência para poemas hoje. Meu cabelo está horrível. Estou mal por estar mais ou menos bem. Passa o tempo e nada progride na minha vida. Não sei o que quero, me sinto estranha. Quero meu cabelo grande de volta.
Vou ao banheiro, olho-me no espelho.
- Quem é você? - Pergunto ao reflexo.
Outra pessoa chega antes que eu possa obter resposta. Me sinto uma esquizofrênica por estar parada em frente ao espelho por minutos intermináveis. Não queria, mas achei mais normal da minha parte sair dali imeditamente.
Meu celular não funciona, minha mente tampouco. Quero escrever. Quero desabafar. Quero poder reclamar do bloqueio emocional que o vazio da vida tem me proporcionado.
Não estou bem, quero ir para casa. Preciso resolver algumas coisas por aqui antes. Foda-se. Quero meu quarto urgentemente.
Quero meu cabelo de volta, não lido bem com mudanças. quero meus dramas de volta, não lido bem com uma vida estável. O cara que beijei na última festa disse que não estou indo à lugar nenhum. Por isso não quero mais vê-lo.
Porque realmente não estou indo à lugar nenhum.
Talvez seja culpa do cabelereiro que cortou uns dois palmos a mais, ou do futuro que parece não prometer nada, ou do shampoo novo que deixou meu cabelo mais seco. Alguma coisa está errada e talvez não seja só por fora. - Mas não sou obrigada a admitir isso -