DA DOÇURA DA ROTINA

Minha rotina é bonita. Acordo cedo, geralmente ainda exausta como se a noite fosse um sopro de descanso. Procuro os chinelos, vez ou outra esbarro nos móveis do quarto e ganhos novos hematomas pelo corpo. Escovar os dentes enquanto fito meus olhos castanhos nos espelhos. Eles não dizem na de mim. São os únicos que não o fazem. Antes que digam, não é dissimulação... É outra cousa a qual sou incapaz de dar nome. Demoro-me o máximo de tempo possível num banho. Reflexão. Visto qualquer coisa, um jeans velho, um vestido qualquer, all star ou sapatilhas, ajeito o cabelo com as mãos e estou pronta.

A rua, que é mesma todos os dias, tem sempre um riso diferente, um novo dia ou ''bom dia''. Na parada de ônibus, sempre cheia, risos das crianças que vão para a escola, senhorinhas trocando receitas de remédios caseiros e eu. Eu, só. Como sempre.

O trabalho, as pessoas que me sorriem gentis todos os dias, os clientes que atendo com sincera afeição vinda de não sei onde, os telefonemas exasperados que me fazem rir, a simplicidade de uma gente, que já não tem pra onde fugir.

Ao fim do dia o corpo já pede repouso, mas o âmago se agita, as aulas, a literatura, o que me move, me impulsiona. Um par de olhos. Uma queda. Vertigem. Os sorrisos daquelas pessoas que ganharam meu apreço, com tão pouco. Um beijo. Risos contidos e saboreados no silêncio.

O céu espalhando seus pontinhos luminosos que me iluminam também, acendem meu peito num contentamento singular. E a lua. Vez ou outra, é verdade... Mas a raridade só aumenta a intensidade do prazer que sinto, quando ela se estampa no veludo intenso do céu noturno.

Exausta me deito. O riso não se apaga. A euforia não me deixa dormir. Fecho os olhos e vejo outros olhos. Olhos abismos... Profundos, profundos...

Já é manhã e o sopro já se foi. Procuro os chinelos.

Efêmera Capitu
Enviado por Efêmera Capitu em 10/05/2013
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