E leva dores
O professor em estado de êxtase navegava pelas linhas imaginárias de sua mente, rememorando os traçados de um romance. A aula adquiriu um aspecto simbólico, talvez surreal, pela áurea ficcional que o professor criara. Alguns alunos acompanhavam atentos aos delírios literários propostos por ele; outros, cansados, abaixavam suas cabeças e se entregavam ao onírico com toda a sua literalidade. Sete alunos ainda não haviam chegado.
O rapaz de camisa azul estava apreciando alguns montes claros. Na sua cabeça, recordações de sua terra também cheia de montes, não claros, mas azuis como devem ser todos os céus. O baixinho de óculos estava tomando uma coca-cola na lanchonete com os olhos numa garota de roupas brancas. Engana-se quem pensa que a roupa branca trazia alguma transparência e, por isso, ele olhava para a garota, tentando ver por entre as vestes. Apreciava mesmo era a cor branca da moça; ele tinha pretensões médicas. As duas amigas morenas saíram do banheiro. Certamente foram se maquilar para aniquilar os olhares masculinos. A garota do short curto desfilava pelos corredores, sabendo que atraia olhares. Por fim, outros dois amigos, que se tornaram seres ocultos por nenhuma característica peculiar, acabaram de descer do carro. Chegam coincidentemente ou não ao mesmo tempo na porta do elevador. Pela lógica cavalheiresca, as moças deveriam entrar primeiro, mas os dois amigos ocultos se apressaram para tomar seus lugares. Entram depois as duas amigas morenas, a garota do short curto e em seguida o rapaz de camisa azul e o baixinho de óculos.
Uma placa metálica logo acima dos botões dos andares dizia: “capacidade máxima: seis pessoas”. Olharam e se viram entre sete. Como o aparelho começara a subir, não deram importância. Iriam para o terceiro andar. O aparelho suportou-os até ultrapassar o segundo andar, mas parou poucos metros antes de atingir a porta do terceiro. Abrem-no e dão de cara com uma parede sem reboco. A garota do short curto lança um grito, chegando a expelir saliva na face de uma das morenas que imediatamente pede a outra para ver se não lhe estragou a maquiagem. Os dois amigos ocultos tentam acalmá-la. O baixinho de óculos fixa-se nas pernas dela – ou seria no seu short também branco? O rapaz de camisa azul aperta o botão para ativar novamente o elevador. Sentem um tranco, e a máquina cai em queda livre por quase um metro. As morenas desesperam e começam a gritar também. Os dois amigos ocultos começam a ficar tensos; afinal, depois da aula, iriam para uma balada e já começaram a pensar no prejuízo que seria se continuassem presos. O baixinho de óculos olhou as horas. O rapaz de camisa azul acionou o telefone de emergência. Esqueceram-se da aula.
As horas pareciam não passar para eles. Presos no elevador. Um novo solavanco, e o aparelho desce mais um pouco. Uma das morenas se desespera, pensa que vai morrer – o elevador não está aguentando, vai cair. O rapaz de camisa azul lembra-se dos montes de sua terra e de sua infância. O baixinho de óculos suava muito, todos suavam muito. A emergência já estava tentando resolver o problema. Já estavam presos há mais de quarenta minutos.
Enquanto isso, o professor continuava a aula, incorporando os personagens de um romance triste. Naquele instante, tentava sentir as dores dos protagonistas presos em um quarto abafado. Mal podia imaginar que logo ali estavam sete pessoas presas em um elevador sufocante.
A essa altura, as maquiagens já estavam todas desfeitas. As duas morenas não sabiam se choravam por estarem presas, ou por terem “borrado” a maquiagem, ou por terem perdido a oportunidade de ver aquele rapaz bonito da primeira fila. O baixinho de óculos começou a refletir na quantidade de oxigênio que ainda restava, com os olhos fixos nas pernas da garota do short curto que já estava em vias de tirá-lo de tanto calor. O rapaz de camisa azul conversava com a emergência ao telefone.
Finalmente os homens da manutenção conseguiram fazer o elevador funcionar até atingirem o segundo andar por onde todos saíram a salvos. Ficaram presos por mais de uma hora. Todos suados e aliviados. As morenas realmente pensaram que poderia ter sido o fim. Os amigos ocultos tinham certeza de que sairiam, mas, num estado daqueles, não poderiam ir mais para a balada sem antes ir para casa tomar um banho. O rapaz de camisa azul achou proveitosa a experiência, pois refletiu muito sobre sua vida. A garota do short curto chegou à conclusão de que seu short não estava tão curto assim, pois sofreu muito com o calor. O baixinho de óculos, que passou a maior parte do tempo olhando para as pernas da garota do short curto, esboçou mentalmente um artigo sobre a simetria e proporção entre a coxa e a panturrilha.
Chegaram já no fim da aula e logicamente chamaram a atenção. O professor ficou curioso com o ocorrido. Cada um relatou o seu drama. O professor começou associar a aventura dos sete alunos à história que acabara de ler. Assim como os protagonistas do romance, eles também estiveram presos. Na sua interação literária, o professor também estivera preso ficcionalmente. Esperou que todos os alunos saíssem da sala. Foi até o elevador que estava com uma placa escrita: “manutenção”. Olhou em volta, não havia mais ninguém, exceto o funcionário que fecharia o colégio. Forçou a porta do elevador, entrou e depois a fechou. E farto de seus sonhos, ali dentro pediu à realidade que levasse suas dores.
O rapaz de camisa azul estava apreciando alguns montes claros. Na sua cabeça, recordações de sua terra também cheia de montes, não claros, mas azuis como devem ser todos os céus. O baixinho de óculos estava tomando uma coca-cola na lanchonete com os olhos numa garota de roupas brancas. Engana-se quem pensa que a roupa branca trazia alguma transparência e, por isso, ele olhava para a garota, tentando ver por entre as vestes. Apreciava mesmo era a cor branca da moça; ele tinha pretensões médicas. As duas amigas morenas saíram do banheiro. Certamente foram se maquilar para aniquilar os olhares masculinos. A garota do short curto desfilava pelos corredores, sabendo que atraia olhares. Por fim, outros dois amigos, que se tornaram seres ocultos por nenhuma característica peculiar, acabaram de descer do carro. Chegam coincidentemente ou não ao mesmo tempo na porta do elevador. Pela lógica cavalheiresca, as moças deveriam entrar primeiro, mas os dois amigos ocultos se apressaram para tomar seus lugares. Entram depois as duas amigas morenas, a garota do short curto e em seguida o rapaz de camisa azul e o baixinho de óculos.
Uma placa metálica logo acima dos botões dos andares dizia: “capacidade máxima: seis pessoas”. Olharam e se viram entre sete. Como o aparelho começara a subir, não deram importância. Iriam para o terceiro andar. O aparelho suportou-os até ultrapassar o segundo andar, mas parou poucos metros antes de atingir a porta do terceiro. Abrem-no e dão de cara com uma parede sem reboco. A garota do short curto lança um grito, chegando a expelir saliva na face de uma das morenas que imediatamente pede a outra para ver se não lhe estragou a maquiagem. Os dois amigos ocultos tentam acalmá-la. O baixinho de óculos fixa-se nas pernas dela – ou seria no seu short também branco? O rapaz de camisa azul aperta o botão para ativar novamente o elevador. Sentem um tranco, e a máquina cai em queda livre por quase um metro. As morenas desesperam e começam a gritar também. Os dois amigos ocultos começam a ficar tensos; afinal, depois da aula, iriam para uma balada e já começaram a pensar no prejuízo que seria se continuassem presos. O baixinho de óculos olhou as horas. O rapaz de camisa azul acionou o telefone de emergência. Esqueceram-se da aula.
As horas pareciam não passar para eles. Presos no elevador. Um novo solavanco, e o aparelho desce mais um pouco. Uma das morenas se desespera, pensa que vai morrer – o elevador não está aguentando, vai cair. O rapaz de camisa azul lembra-se dos montes de sua terra e de sua infância. O baixinho de óculos suava muito, todos suavam muito. A emergência já estava tentando resolver o problema. Já estavam presos há mais de quarenta minutos.
Enquanto isso, o professor continuava a aula, incorporando os personagens de um romance triste. Naquele instante, tentava sentir as dores dos protagonistas presos em um quarto abafado. Mal podia imaginar que logo ali estavam sete pessoas presas em um elevador sufocante.
A essa altura, as maquiagens já estavam todas desfeitas. As duas morenas não sabiam se choravam por estarem presas, ou por terem “borrado” a maquiagem, ou por terem perdido a oportunidade de ver aquele rapaz bonito da primeira fila. O baixinho de óculos começou a refletir na quantidade de oxigênio que ainda restava, com os olhos fixos nas pernas da garota do short curto que já estava em vias de tirá-lo de tanto calor. O rapaz de camisa azul conversava com a emergência ao telefone.
Finalmente os homens da manutenção conseguiram fazer o elevador funcionar até atingirem o segundo andar por onde todos saíram a salvos. Ficaram presos por mais de uma hora. Todos suados e aliviados. As morenas realmente pensaram que poderia ter sido o fim. Os amigos ocultos tinham certeza de que sairiam, mas, num estado daqueles, não poderiam ir mais para a balada sem antes ir para casa tomar um banho. O rapaz de camisa azul achou proveitosa a experiência, pois refletiu muito sobre sua vida. A garota do short curto chegou à conclusão de que seu short não estava tão curto assim, pois sofreu muito com o calor. O baixinho de óculos, que passou a maior parte do tempo olhando para as pernas da garota do short curto, esboçou mentalmente um artigo sobre a simetria e proporção entre a coxa e a panturrilha.
Chegaram já no fim da aula e logicamente chamaram a atenção. O professor ficou curioso com o ocorrido. Cada um relatou o seu drama. O professor começou associar a aventura dos sete alunos à história que acabara de ler. Assim como os protagonistas do romance, eles também estiveram presos. Na sua interação literária, o professor também estivera preso ficcionalmente. Esperou que todos os alunos saíssem da sala. Foi até o elevador que estava com uma placa escrita: “manutenção”. Olhou em volta, não havia mais ninguém, exceto o funcionário que fecharia o colégio. Forçou a porta do elevador, entrou e depois a fechou. E farto de seus sonhos, ali dentro pediu à realidade que levasse suas dores.