O RETORNO

Amigos Recantistas, esta crônica é parta elucidar esclarecer minha crônica anterior "Rostos a Nos Observar" e também homenagear minha Mãe e todas as mães do mundo. Eu entendi mais o valor de Mãe acompanhando a gravidez de minha mulher.

A viagem durou 112 dias. Encerrei meus trabalhos numa quinta-feira. O avião partira nesse dia pela manhã. O próximo vôo para São Paulo sairia na segunda-feira. À tarde arrumei minhas tralhas. Lembrei-me que no domingo próximo vindouro era o Dia das Mães e não haveria como me comunicar com ela. Ficar o resto da semana sem ter o que fazer era tedioso demais. Não havia lugar para fazer turismo, no domingo antes eu tinha visitado uma aldeia indígena próxima, fizera amizade com o cacique, fotografei-me ao seu lado com seu cocar que ele me emprestara. . O cacique que, segundo ele, trabalhou ou trabalhava para a Funai e falava vários dialetos, confirmou-me que de fato o acampamento estava sobre um cemitério. Em sua oca estava uma foto do Marechal Rondon com o qual tinha servido. A conversa foi boa, mas eu não via o tempo de sair da aldeia, dada a grande quantidade de moscas.

Tudo estava registrado num rolo de filme (já no final) de 36 cópias numa Yashica Minister III junto com tantas outras fotos memoráveis da viagem. À noite, dessa quinta feira, tomei conhecimento que um avião que se destinava a Caíena (Guiana Francesa), tivera uma pane e iria partir para Manaus na sexta-feira pela manhã. Era a oportunidade que eu tinha de retornar. Chegando a Manaus seria mais fácil pegar um vôo para São Paulo, assim eu pensava. Na sexta-feira pela manhã, já de malas prontas, tomei a Van e pedi para me levar para a agência de viagens. Eram quase oito horas da manhã e o avião partiria às nove horas, não havia telefone. Mudei a passagem e rumamos para o aeroporto, que não ficava muito perto. A partir das 8:45 horas, colocamos a mão na buzina e com toda velocidade que se podia dar, levantando uma poeira tremenda, chegamos ao aeroporto. O avião já estava na pista. Creio que o piloto viu a poeira ou escutou a buzina (seria difícil a não ser que os motores ainda não estivessem ligados) ou foi avisado pelo pessoal de terra e me esperou. O despacho foi o mais rápido que já me aconteceu. A própria Van levou a bagagem e eu até o avião. Minha grande surpresa foi ver que, além da tripulação, havia apenas mais três pessoas. Recebi até boas vindas. Então percebi que éramos todos aventureiros. Fiz o sinal da cruz, rezei e pedi a Deus para chegar bem a Manaus. Eu me lembrei do risco que corremos quando viemos. Não houve problemas na partida, pois o avião estava leve e a viagem estava normal, sem sustos. Foi então que veio o aviso para apertar os cintos. O avião baixara o nariz. “Que bom“, pensei. “Estamos chegando”. Começou a voar baixo novamente e a chacoalhar. Conclui que estávamos sobrevoando o Rio Amazonas, pois as águas eram barrentas, estávamos voando baixo porque era uma zona de urubus. “Novamente”, pensei. Eram mais ou menos doze horas, não havia vôos para São Paulo. Havia um vôo de Caravelle para o Rio no sábado pela manhã. Fiz a reserva e fui para o Hotel e principalmente para o restaurante. O calor era insuportável. Reparei que todos tomavam meia cerveja. Pedi uma garrafa grande. Quando fui tomar o segundo copo, estava choca. Então entendi porque todos estavam tomando meia cerveja. Meu prato foi de peixe fresco com molho de alguma coisa que não me lembro, estava picante e chamava mais cerveja. Eu estava há mais de três meses só comendo enlatados. Senti-me comendo um almoço de rei. Dei um cochilo e fui gastar dinheiro na zona franca. Visitei a zona portuária. À noite comi um churrasco no espeto numa calçada. Eu queria ver o movimento nas ruas, bem movimentadas por sinal. Pelo pouco tempo que fiquei, gostei.

No dia seguinte quando fui fazer o despacho, estava com pouco dinheiro e excesso de bagagem e não tinha cartão de crédito.

- Amigo, disse eu ao despachante, exagerando um pouco. – Estou na selva há mais de três meses, não sei se perdi ou me roubaram, mas não tenho dinheiro e preciso, ainda, do Rio de Janeiro ir para São Paulo, quebra meu galho, por favor.

Ele registrou apenas dez por cento do excesso e eu parti. Teria que ir de ônibus do Rio para São Paulo e pagar o taxi quando chegava a minha casa. Ainda bem que almocei no avião. Quando desembarquei no aeroporto do Galeão, já de posse da minha bagagem. Ouvi nos alto-falantes.

- Passageiros do vôo XYZ que se destinam a São Paulo em conexão com o vôo WWW da Aerolineas Argentinas com destino a Buenos Aires, dirijam-se ao portão X.

Era o vôo que eu tinha chegado. Fui com toda bagagem para o dito portão e fiz uma oração que meu guia espiritual me dera para passar despercebido. Era o último da fila. Minha bagagem estava com o lacre da alfândega de Manaus e passei.

Entrei num Comet e sentei nos fundos. A aeromoça fez a contagem e não chegou ao fundo do avião. Fecharam-se as portas e partimos. Eu estava com a minha Yashica a tira colo e bati uma foto quando ultrapassamos um Viscount da Vasp voando mais baixo. Nunca tinha me acontecido uma coisa assim. Ver outro avião em pleno ar. Aquela seria a foto rara que mandaria ampliar. Mas houve um momento que fiquei em pânico: “Se o avião não parasse em São Paulo, como eu me viraria em Buenos Aires sem dinheiro”? Poderia na segunda feira ir até o escritório de nossos associados, isto se não estivesse preso. O desespero tomou conta de mim, a alegria de voltar acabara, mas antes me lembrei dos apuros que tinha passado naqueles 112 dias e chamei a aeromoça para perguntar-lhe:

- Falta muito para pousarmos em São Paulo?

- Dez minutos. Respondeu-me ela.

Foram as palavras de maior alento que tivera até então. Meu medo era ela dizer:

- Este avião não pousará em São Paulo.

Caso isso se confirmasse, eu criaria a maior confusão, revelaria minha identidade de passageiro clandestino. Era melhor ficar preso em minha terra. Quando o Comet tocou o chão de Congonhas, comecei a chorar. A aeromoça perguntou se estava passando mal, respondi-lhe que era de alegria, de felicidade. Há muito eu estava longe de minha família.

Segui para o ponto de taxi. Tomei um DKW, sentei no banco traseiro, quando cheguei em casa por volta de dezessete horas, minha mãe estava no portão. Corri para o abraço e a choradeira. O motorista descarregou a bagagem, paguei e ele seguiu. Aí dei conta que tinha esquecido a máquina fotográfica no banco traseiro. No dia seguinte anunciei em várias estações. Eu gratificaria com a máquina a quem a encontrasse, queria apenas o filme. Perdi a máquina, perdi o filme e perdi as melhores fotos de minha grande viagem.

Eu consegui chegar para o Dia das Mães. Na tarde de domingo fui visitar minha madrinha e meu pai espiritual e presenteei-o com o arco e a flecha que comprei na aldeia. Ele então me disse:

- Eu estive com você o tempo todo. - Eu estava na mata quando você de mim se aproximou.

– Fui eu que lhe empurrei para aquele avião e o escondi. – Ninguém lhe viu e você não conversou com ninguém no avião.

Gelei naquele momento. Com quem eu teria, então, conversado? Bastou um segundo de reflexão e entendi tudo.

Aqueles rostos que nos observavam, eram ele e sua tribo e eu só me lembro de ter conversado (no avião) com a aeromoça.

Emagreci alguns quilos, meu estômago sentiu os efeitos das comidas em conserva. Na segunda feira fui até o escritório e de lá segui ao Instituto Adolpho Lutz fazer exames sobre doenças tropicais e, principalmente, doença de Chagas, pois desconfiava que um inseto barbeiro tivesse me atacado numa noite em que fui picado e um calombo do tamanho de um caroço de abacate formou-se em minhas costas. O segundo passo foi ir a uma churrascaria rodízio.

Graças a Deus eu não contraí nenhuma doença.

A viagem teve também o seu lado bom. Cresci profissionalmente, adquiri uma enorme confiança, superei todos os obstáculos, perdi medos, amadureci, tornei-me um estrategista. Fui convocado para diversas outras “missões”.

Como na região não há leões, por analogia, “matava-se uma onça por dia”.

Senti que era feliz, principalmente, naquele momento em que o jato da Aerolineas Argentinas pousou em Congonhas, véspera do Dia das Mães.

Gostaria de voltar para ver como estão, hoje, os lugares que visitei. Afinal, não se trabalhava aos domingos. Será que ainda existem revoadas de araras, papagaios e tantas outras aves? Cachoeiras e peixes? Tudo como há 43 anos? Certamente que não. Sinto-me privilegiado de ter visto aquela natureza quase intocável.

Essas lembranças me deixaram muito emocionado, porque no momento que encerrava esta crônica, entrou aleatoriamente em meu som a canção “Green, Green Grass of Home. Ponha emoção nisso!!!

SANTO BRONZATO 09/5/2.013.

SANTO BRONZATO
Enviado por SANTO BRONZATO em 09/05/2013
Código do texto: T4282093
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