HISTÓRIAS DO SERTÃO – O CHORO NO MATADOURO
O sertão é vasto. Perdido no meio dessa solitária vastidão, onde só se vê a caatinga, árvores secas, cipós e pedras, encontra-se o sertanejo, homem resignado com a dura sorte, rude e ao mesmo tempo sábio e paciente observador das coisas à sua volta.
O sol causticante projeta sombras enormes. O vento atiça a poeira no areal, rodopiando galhos e folhas secas, sulcando a terra, assoviando um trinado contínuo e fino, indo perder-se nas furnas das pedras do boqueirão. O mais impressionante é o azul do céu.
Diz-se que o sertanejo vê coisas que ninguém há de ver. Mistérios indecifráveis perdidos entre os monólitos, silenciosas cruzes abandonadas na beira do caminho. Ouvem-se aqui e ali gorjeios, vozes, grunhidos e passos na estrada deserta. Quem poderá ser?
- Tinha aqui um matadouro de gado. Bem aqui pertinho, debaixo daquele pé de juazeiro. Tá vendo aquele tronco seco, seu moço? Pois era ali mesmo que as vacas eram sangradas. O couro era espichado ali mesmo. O sangue coalhava que fazia lama. Era um fedor que num tinha cristão que aguentasse.
O seu Jaime foi quem começou a contar essa história. Os olhos azuis como um espelho d’água começaram a marejar. Era a lembrança do que tinha visto em tempos antigos. Uma dor pungente que não sarava nunca.
- Nesse tempo eu era vaqueiro por essas bandas. Eu costumava levar e trazer o gado pra negociar. Teve uma vez que eu vinha trazendo umas vinte cabeças de gado. Aí eu vi uma coisa que me deixou todo arrepiado.
Numa casa do sertão sempre tem café. Dona Martinha, muito sorridente, trouxe o café fumegando e umas broas de milho feitas na hora. O cheiro bom era o especial daquela casa. Uma calma tomou conta da tarde. Nada se mexia. O Céu de um azul profundo era apenas recortado ao longe pelas serras do maciço.
- Pois bem, vamos voltar pra história que eu tava contando. Eu vinha trazendo umas vinte cabeças de gado. Quando eu vinha passando justamente nesse lugar onde era o matadouro, o gado parou e os bichos ficaram em silêncio. Fiquei cismado com aquilo. De repente, vi as vacas e os bois tudo caindo de joelhos, bem em frente do pé de juazeiro. Começaram então a urrar e soltar gemidos terríveis, como se estivessem chorando. Eram lamúrias e berros de cortar o coração. Foi a muito custo que consegui reunir o gado e sair daquele lugar amaldiçoado. Contei o que tinha acontecido e muita gente disse que o gado chorava ao passar pelo antigo matadouro. Eu nunca mais fui o mesmo depois daquele dia. Quem disser que uma vaca dessa não tem sentimento, nunca viu o que eu vi. As vacas choraram e eu também chorei.
Ficamos em silêncio vendo o sol esmaecer por detrás das serras. O vento soprava brando, anunciando o anoitecer. Senti um nó na garganta. Naquele dia eu também chorei.